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Crítica | Eles (Them) – 1ª Temporada

Um horror polêmico que debate o racismo para além da tela.

por Fernando Annunziata
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A insurgência de terrores com críticas sociais é uma trilha arduamente construída principalmente por grandes obras de Jordan Peele ao longo dos anos 2010, como Corra! (2017) e Nós (2019). Recebendo apoio do público e se tornando o querido das críticas – inclusive com a película estrelada pelo fantástico Daniel Kaluuya ganhando melhor filme e roteiro -, esse subgênero foi aos poucos encontrando um terreno fértil para se tornar mainstream, e, assim, atrair não só os fãs do horror cult, como toda a comunidade cinéfila. Por um lado, grande vitória ao gênero, que estava desesperado para encontrar um caminho inovador. Por outro, deu voz a uma enxurrada de pseudo diretores que creem que a violência gráfica é o bastante para produzir uma boa história. Them, da Amazon Prime, se equilibra no meio dessa questão: às vezes pesa para o lado de cenas que devem ser recebidas com muitos aplausos; às vezes decai para uma narrativa que precisa ser boicotada.

Concentrando-se em um bela referência histórica, Them se passa na Segunda Grande Migração nos Estados Unidos. Na ocasião, diversos afrodescendentes sulistas migraram para o Centro-Oeste, Nordeste e Leste do país em busca de melhores condições de vida. A história, assim, acompanha os Emory, uma família preta que sai da Carolina do Norte e parte para Los Angeles. Um turbilhão de emoções se inicia quando eles percebem que o bairro é frequentado apenas por supremacistas brancos, que estão dispostos a tudo para tirá-los de lá. Ao mesmo tempo, entidades misteriosas praticam assédio moral e físico com os protagonistas, influenciando para que fantasmas passados também voltem à tona.

É impossível não mencionar as grandes atuações da obra. Possivelmente o ponto que mais se destaca, todos os atores dão um grande show na frente das câmeras, com menção a todo o elenco de personagens secundários. É instaurado uma sensação de terror que transcende a violência gráfica e o roteiro, e passa a ser transmitida, também, por meio dos olhos e gestos. Mais uma vez, Shahadi Wright Joseph, que ganhou destaque como protagonista em Nós (2019), puxa os holofotes para si vivendo a adolescente Ruby, uma garota disposta a fazer qualquer coisa para ser aceita. Com uma das maiores sequências solos da série – e talvez concorrendo como uma uma das melhores do gênero – a atriz realiza uma espécie de Whiteface, em uma performance de tirar o fôlego. A sensação que a sequência causa ao telespectador leva para o clímax da história: um misto de angústia, drama, horror e… romance.

Como antagonista, Alison Pill, que ganhou destaque na série American Horror Story, é uma forte candidata a melhor vilã do gênero na pele de Betty Wendell. O motivo é simples: a personagem não tem grandes feitos na história, mas ela age como grande manipuladora para que a família Emory – e os próprios espectadores – se sintam cada vez mais sufocados. Uma personagem que não tem muitas falas, mas ganha destaque pelo olhar e gestos: sempre com uma vibe de superioridade e mistério, ela causa desconforto porque sabemos no que ela está pensando, mesmo sem dizer nada. E, claro, são coisas macabras! Grande parte disso é graças à bela atuação de Alison, no entanto, nesse ponto, também devemos dar destaque ao jogo de câmeras e fotografia, que sempre a enquadram em lugares mais altos que os outros personagens, dando a sensação que ela é maior do que deveria ser, e bem iluminados, o que a deixa com coloração assustadoramente branca.

Com um ótimo contexto histórico para servir de gancho e boas atuações, a obra precisava de mais dois detalhes: um roteiro bem estruturado e uma direção que acompanhasse os objetivos da mesma. De um lado, podemos parabenizar os roteiristas por construírem uma narrativa que se complementa e, ao longo de dez episódios, convida o espectador a entrar em uma empreitada de emoções. Uma sensação de agonia e inquietação logo aparece na gente: todos os arcos são bem desenvolvidos para cada persona. Assim, criamos conexões afetivas com os protagonistas e passamos a sentir todo o desconforto que eles vivem. A direção complementa a ideia ao cuspir na tela um terror gráfico inenarrável, com sequências maravilhosas que lembram sempre um grande e incrível clipe. Há momentos, inclusive, que se tornam eternizados na memória dos cinéfilos, como, por exemplo, o momento em que Ruby se pinta de branco ou quando Gracie, personagem vivida pela atriz mirim Melody Hurd, sente que seu cabelo está literalmente em chamas.

Tantas celebrações, no entanto, não condizem com a nota adotada pela crítica. A explicação está em apenas um erro, mas que é considerado gravíssimo – e, em alguns espectadores, poderia resultar em uma nota mínima -: os diretores se perderam no personagem. A violência gráfica é tamanha que beira o absurdo, e, em alguns momentos, parece que foi feita apenas para colocar personagens pretos em situações desesperadoras. Quase como uma câmara de tortura produzida para brancos externarem sentimentos internos supremacistas, levando a obra a ser taxada como racista – quando, na verdade, ela queria criticar esse fator. Uma passagem, por exemplo, mostra um bebê preto dentro de um saco enquanto brancos batem com a cabeça dele na parede até a morte. Sem dúvidas, passa do limite do aceitável e abre o questionamento: qual o limite do terror?

De fato, não há um limite estabelecido, mas é necessário ter o bom senso para desenvolver algo que permaneça no seu tributo narrativo até o fim. Não basta apenas expor violência gráfica, é preciso ter coesão e complementar o desenvolvimento da história. A sequência da criança no saco, por exemplo, poderia ser aceita caso a narrativa olhasse nessa questão, e, mesmo assim, poderia ser apenas citada ou produzida de uma maneira menos explícita. Da forma que foi feita, transparece uma vontade dos diretores, ironicamente em grande parte brancos, externalizarem mais um desejo de causar um impacto do que de fato contar uma história.

Them é uma série polêmica com grandes altos e baixos. Se focarmos nos pontos positivos da obra, que são vários, entramos em uma montanha-russa de sentimentos que eventualmente pode beirar o sublime. Por outro, os erros que a obra carrega são gravíssimos. De qualquer maneira, é uma produção que se alinha com as novas tendências do terror e abre espaços para que mais obras do gênero apareçam.

Eles (Them) – 1ª Temporada (EUA, 2021)
Direção: Nelson Cragg, Craig William Macneill, Ti West, Janicza Bravo, Daniel Stamm
Roteiro: Little Marvin, Christina Ham, Korde Arrington Tuttle, Francine Volpe, Dominic Orlando, David Matthews, Seth Zvi Rosenfeld, Sarah Cho
Elenco: Deborah Ayorinde, Alison Pill, Shahadi Wright Joseph, Melody Hurd, Bashy, Dale Dickey, Jeremiah Birkett, Sophie Guest
Duração: 10 episódios de 33 a 55 minutos

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