Home FilmesCríticas Crítica | Evangelion 3.0+1.01: A Esperança

Crítica | Evangelion 3.0+1.01: A Esperança

por Kevin Rick
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A reformulação da franquia Neon Genesis Evangelion com a cinessérie Rebuild foi sendo feita aos trancos e barrancos, cheio de altos e baixos, com o cineasta Hideaki Anno tendo bastante dificuldade em delinear uma linguagem ou proposta comum à tetralogia que se iniciou em 2007, com Evangelion 1.11: Você (não) Está SóO primeiro filme já dita um tom estranho a “nova” história, considerando que é basicamente uma montagem corrida dos primeiros episódios da série original com inovações técnicas, ainda que passe um estilo mais frenético e convencionalmente Mecha que não havia sido utilizado na franquia. O segundo filme – que eu gostei muito! -, respalda-se nessa abordagem de pancadaria para entregar um divertido blockbuster, enquanto o terceiro filme decide revirar totalmente o tom de ação do Rebuild para nos entregar um sonífero audiovisual. Depois daquela distopia enfadonha do longa anterior, minhas expectativas estavam baixíssimas, mas Anno rebateu o desencanto com um desfecho que é essencialmente uma carta de amor à sua própria obra.

Uma abertura arrebatadora e cheia de ação reintroduz o conflito entre NERV – ainda liderada pelo pai de Shinji, Ikari Gendo, um homem determinado a desencadear o apocalipse e atingir a Instrumentalização Humana – e WILLE, a força de resistência emergente capitaneada por Katsuragi Misato. Confesso que o início me passou uma falsa ideia de que teríamos outro blockbuster como o segundo filme, mas na realidade temos apenas duas longas sequências de ação no longa, ambas em par com algumas das melhores da franquia. Anno novamente dá uma tresloucada na construção dos combates, indo de exércitos de EVA’s até Mari utilizando a Torre Eiffel como arma. Ainda que o CG seja meio estático e estranho ao olho em algumas situações mais dinâmicas, o filme, quando é um filme de ação, utiliza-se muito bem dos Mechas, dos cenários apocalípticos – o vermelho sangrento dá um contraste fantástico às batalhas com monstros e robôs coloridos -, das alegorias como meio de pirar em algumas resoluções visuais de evolução dos EVA’s e Anjos, sem falar de um bloco em espiral totalmente insano.

No entanto, eu notei um aspecto curioso nessas cenas de batalha, especialmente a que abre o filme. Existe um sentimento de coletivo que Anno constrói nas batalhas que não existiam anteriormente, normalmente retratadas como situações dramáticas para os pilotos. Aqui não, existem inserções de múltiplos personagens no meio do combate, questões de tempo, planos e missões mais delineados e não apenas como reação às aparições de Anjo, entre outros detalhes sutis de um envolvimento mais grupal. Ainda na abertura, Anno começa a usar sua linguagem para um contexto desesperador e paralelamente esperançoso da luta da Humanidade.

Após isto, retornamos a acompanhar o trio principal de Shinji, Ayanami e Asuka indo parar em uma pequena vila autossustentável cercada por escombros e povoada por voluntários bondosos. Nesse ato gracioso que dura bastante – no bom sentido -, Anno parece retornar às raízes episódicas, ordinárias e introspectivas da série original. A mudança de ação para drama intimista certamente reposiciona o tom do longa, mas existe uma conexão bacana em relação a reconstrução da sociedade. Como é uma obra que condensa muito bem a ação mais característica do início do Rebuild, a abordagem mais minimalista da série e (no ato final, como vou falar) a alegoria, Anno parece estar interessado em explorar as diferentes condutas e perspectivas de toda a franquia, por isso digo ser uma carta de amor a tudo representado em Neon Genesis Evangelion. Concomitantemente a isso, considerando o conteúdo humanista da cinessérie e a aproximação mais coletiva, o quarto filme é também uma carta de amor a ser humano.

Nada representa melhor isso do que o arco dócil e encantador de Ayanami aprendendo formas básicas de comunicação, descobrindo sentimentos e emoções, literalmente aprendendo a ser humana no meio de situações rotineiras. Essas cenas retratam o tipo de simplicidade e entusiasmo pela vida que está em jogo. Anno está mais interessado na cura de seus personagens através da reconstrução (he, he) de interações e diálogos. O próprio choque de perspectivas de Anno, ora niilista e pessimista, ora positivo e esperançoso, são retratados através do embate de Shinji e seu pai no clímax, e por isso todo o aprendizado aqui se mostra um importante alicerce às alegorias do desfecho, assim como aconteceu nos dois episódios finais da série.

Chega a ser irônico que Anno decida terminar sua franquia (pelo menos por agora) no mesmo estilo que se tornou polêmico da série original, só menos surreal e expositivo. Mas faz sentido. Neon Genesis Evangelion sempre foi um retrato de como Anno enxergava a Humanidade. The End of Evangelion é a culminação do pessimismo na experiência apocalíptica, enquanto A Esperança é a resolução de uma visão madura de cura e recuperação dos seus protagonistas. E o melhor de tudo? Ambas terminam em notas surreais que não explicam nada para sua audiência – e tenho certeza que várias pessoas estão perdendo os cabelos de raiva por não terem tudo explicadinho, resolvido de maneira lógica e didática.

É interessante como o autor vai da ação para a sutileza introspectiva e termina no surreal de maneira surpreendentemente orgânica, sempre conectando uma abordagem com a outra. O cineasta traz uma gama de simbologias, interpretações e metáforas familiares, épicas, religiosas, etc, debatendo sempre em comum o micro, assim como foi belamente feito na série original. Alegorias não foram feitas para serem explicadas, e sim sentidas.  Paternidade dá medo. Luto é destruição e renascimento. Amizade liberta. Heroísmo é envolto por incertezas. Cura é empatia. No fim, o Neon Genesis Evangelion é amadurecimento.

Tenho alguns problemas do filme como extensão natural da irregular Rebuild, que basicamente é uma colagem desconexa de contextos, propostas e estilos, assim como a obra tenta recuperar o tempo perdido e acaba correndo com alguns desfechos que soam meio apelativos e melodramáticos, mas são verdadeiros pormenores em um desfecho de ode à franquia e a seus temas intrínsecos. Não é sobre entender minuciosamente o que determinado símbolo representa ou o que cada situação metafórica apresenta, mas vivenciar a luta coletiva em cada sacrifício, a descoberta de afeto com bobeiras diárias e a autodescoberta ao enfrentar seus medos. É sobre aprender e se reconstruir para começar novamente. Rebuild. Gênesis.

Evangelion 3.0+1.01: A Esperança (シン・エヴァンゲリオン劇場版Shin Evangerion Gekijōban) | Japão, 13 de agosto de 2021
Direção: Hideaki Anno, Kazuya Tsurumaki, Mahiro Maeda, Katsuichi Nakayama
Roteiro: Hideaki Anno
Elenco: Megumi Ogata, Kotono Mitsuishi, Megumi Hayashibara, Yūko Miyamura, Fumihiko Tachiki, Yuriko Yamaguchi, Motomu Kiyokawa, Kōichi Yamadera, Hiro Yūki, Miki Nagasawa, Takehito Koyasu, Akira Ishida, Tomokazu Seki, Tetsuya Iwanaga, Junko Iwao, Maaya Sakamoto
Duração: 155 min.

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