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Crítica | “OK Computer” – Radiohead

Profundo, ardente e mais atual impossível.

por Matheus Camargo
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“Please, could you stop the noise?

I’m trying to get some rest

From all the unborn chicken voices

In my head”

Por algum motivo, sempre encarei esse álbum como um desafio. Principalmente após ter escutado o The Bends, o único da banda que havia encarado até então. Confrontado pela densidade de suas letras, camadas sonoras tumultuosas, o disco carregava uma mancha melancólica convidativa que me fez retornar muitas vezes, de ouvidos e coração aberto às suas lamentações. Em troca, o que a banda me entregava – não como agradecimento, mas como libertação, eram nós de descontentamento que nunca me senti realmente capaz de desembaraçar. Escutar que OK Computer se caracterizava como um avanço experimental, complexo, labiríntico, fez com que uma muralha se estendesse ao redor desse álbum. Um eterno quem sabe um dia, acompanhado de olhares tentadores, mas também receosos. Ao finalmente escutar, o que recebi em troca foram nós muito maiores, que não me coloquei a desfazer, mas me emaranhei entre cada um deles, fascinado, e não assustado, pela sua imensidão. 

Airbag soa como se tudo estivesse em constante movimento. É no meio desse tráfego, onde tudo se desloca, oscila, rodopia rapidamente em alvoroços estridentes, que o cantor passa por uma experiência de quase morte, capaz de reacender nele uma chama ávida pela vida. As experimentações paranoicas que a voz de Yorke carrega, cantando cada sílaba com uma ansiedade desesperada, como se cada segundo fosse o prenúncio de sua nova vida, onde um renascimento pessoal  está sempre à beira de explodir. Assim, proclama “In an interstellar burst / I am back to save the universe” enquanto camadas de guitarra começam a se confundir e difundir em glitchs de euforia. Em contrapartida, Paranoid Android, é dividida em três partes de uma mesma experiência desumanizante, onde uma narrativa insana é construída lentamente, meio atordoada, meio desperta, a faixa parece progredir como se andasse em uma corda bamba. Mudanças de ritmo, violência ruidosa inundando cada verso, e o sentimento dissociativo que cada um deles consegue transmitir. Sempre que parece estar próxima de apagar, volta à vida num choque enérgico de guitarras e questionamentos, cada vez mais trágica, mais… gloriosa. 

É irônica, interessante a forma que conseguem pintar esse quadro catatônico só com as duas primeiras canções do trabalho. É como ser colocado de uma só vez no olho do furacão, confusões abstratas se manifestando de forma concreta como a tempestade em sua volta, não saber em quem confiar e no que se firmar porque, no momento seguinte, tudo pode desabar mais uma vez. Enquanto uma é sobre o súbito desejo de viver, valorizando tudo que é humano e intenso, a outra é apática à experiência do outro, insensível, petrificada. Até mesmo quando apostam na simplicidade, como em Subterranean Homesick Alien, onde Yorke canta sobre se sentir isolado do restante da sociedade, vendo-os apenas como engrenagens de um sistema falho, suas dissociações o levam a sonhar em ser abduzido, levado por extraterrestres, onde poderia ser apenas um observador do mundo, e não participante do mesmo. Memoráveis são os guturais “Uptight!”, ou a beleza repleta de descrença: “Show me the world as I’d love to see it”.

Na mesma linha, Exit Music (For a Film), originalmente inspirada em Romeu e Julieta, estende o retrogosto melancólico e o leva ao esplendor. Apesar de não conter todos os arranjos computadorizados, sua escrita fantasmagórica se encaixa perfeitamente, desaguando numa balada acústica com um poder emocional inigualável. Ainda que cada segundo te prepare para o crescendo impetuoso, nada consegue parar a catarse agressiva esbravejada ao fim: “We hope that you choke / that you choke…”. Novamente embrulhada em distanciamento, Let Down se encontra num vácuo, como se existisse num mundo próprio, um limbo de escárnio que coloca em confronto as expectativas humanas e brinca com suas incessantes quebras. Um dos momentos mais interessantes do álbum é a alternância de Thom consigo mesmo, cantando e intercalando suas ideias: “And one day I am gonna grow wings, a chemical reaction / (You know where you are)”.

O álbum parece chegar ao seu clímax com Karma Police, facilmente a faixa mais icônica do projeto. A grandiosidade lírica brilha, enigmática, convidando o ouvinte a desvendar suas metáforas. É curiosa a forma que Yorke enxerga o conceito de karma com felicidade, como se a ideia de que isso tornasse o mundo mais justo fosse capaz de o preencher ou o trazer paz. As melodias oníricas, levadas por um estado de afastamento, quase conseguem esconder o fato da justiça se tornar cada vez mais brutal a cada verso, punindo aqueles que não se conformam com o modo de convivência padrão. Por um momento, quando parece totalmente consumido pelo prazer dessas punições, finalmente desperta: “For a minute there, I lost myself”. Funcionando como um momento de transição no álbum, Fitter Happier é a faixa que melhor descreve os temas que compõem OK Computer. Em dois minutos de introspecção robótica, reflete sobre a frieza, falta de emoção e solidão que apenas contribuem para a espiral emocional que o disco segue.

Faz sentido que após esse momento de contemplação assustador sobre a sociedade moderna, Electioneering se coloca como o momento mais político do disco, munida de um cinismo já característico do trabalho e profundamente carregada de um hard rock corpulento, guitarras inquietantes que reproduzem um som sujo, poluído, no limite do polifônico. Quando achei que nada mais poderia me surpreender, Climbing Up The Walls personifica essa sujeira e a mistura com pura paranoia e fixação. Distorções verdadeiramente horrorizantes crescem por cima da voz rasgada, que procuram, de alguma forma, exteriorizar essa perturbação mental, demônios que antes eram interiores tomam forma e gritam junto de Yorke nos últimos – e mais apavorantes momentos que já presenciei por meio da música. É uma obra prima que não se preocupa mais em esconder sua angústia nas entrelinhas, mas expõe a ferida e deixa que a dor tome posse de tudo que restou. 

A sequência final começa a ser orquestrada por No Surprises, que nos introduz de cabeça à miséria devastadora do que restou pós-trauma: uma existência onde nada mais vale a pena. O sentimento de abandono que se revela a cada toque do reconhecível instrumental, e a consciência de que, após não restarem mais forças para gritar por ajuda, como na canção interior, Thom decide simplesmente se entregar ao desespero silencioso. Sempre reinventando a roda e indo contra a ideia colocada anteriormente, Lucky tem ligação com Airbag ao expressar o mesmo júbilo de sobreviver na face do perigo e ter mais uma chance, enquanto suas harmonias se juntam num momento final belo e psicodélico. Por fim, The Tourist conclui o disco, soando etérea, impalpável, questionando a velocidade em que tudo ocorre, e como estamos vivendo as nossas vidas: “Hey man, slow down, slow down / Idiot, slow down, slow down!”, mais riffs e devaneios, mais delírios e rodeios, até que chega ao fim, e o silêncio te consome sem o seu controle.

Como pode um álbum feito há duas décadas atrás ser tão atual? É um dos questionamentos para o qual ainda não encontrei resposta, mas continuo tão abismado quanto a primeira vez que ouvi e percebi que, quanto mais eu tentava me afastar da frieza de seus julgamentos, mais eu me enxergava como semelhante a Yorke. Nunca antes a realidade desalmada da metrópole capitalista havia sido tão bem encapsulada – não só em letra, mas em som e atmosfera, onde epifanias surgiam enquanto caminhava pelas florestas de concreto com esse álbum ressoando, um monstro no encalço de sua presa que pensava estar preparada, mas foi sendo lentamente descamada por cada choque de realidade que encontrava em cada estilhaço que compõe esse disco. OK Computer é brilhante porque se propõe a cantar sobre o quão desumanizador é viver na sociedade moderna – e é isso que o torna um álbum humano do início ao fim, quanto mais se aprofunda em solidão, melancolia e desconexão, mais cria um refúgio para que as engrenagens enferrujadas dessa máquina encontrem um pouco de pertencimento em algum lugar. 

Aumenta!: Subterranean Homesick Alien
Diminui!:
Minha canção favorita do álbum: Climbing Up The Walls

OK Computer
Artista: Radiohead
País: Reino Unido
Lançamento: 27 de Maio de 1997
Gravadora: Parlophone Records, Capitol Records
Estilo: Alternative Rock, Rock, Art Rock

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