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Crítica | As Montanhas da Loucura

por Ritter Fan
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A diferença é sutil, de apenas uma letra na tradução livre em português do título, mas é importante salientar que a graphic novel sob análise, publicada de forma independente por Adam Fyda sob o selo Blue Fox Comics, não é uma adaptação de Nas Montanhas da Loucura, fantástica novela de H.P. Lovecraft, mas sim, na verdade, uma continuação que parte da deixa que o grande autor americano de histórias fantásticas abre. Afinal, temos que lembrar que a obra original era, por assim dizer, um grande e aterrorizante aviso sobre os perigos de uma segunda expedição à Antártica, a partir das descobertas do Professor William Dyer, e é justamente essa segunda expedição, agora vista a partir do ponto de vista do geólogo Howard Pym, que ganha foco.

Mas Fyda sabia que precisava contextualizar sua história, pelo que o que ele acaba fazendo, em econômicas 56 páginas (a edição que li tem 66, mas as 10 páginas extras são de artes e uma versão alternativa de um passagem na HQ), tanto uma semi-adaptação e uma continuação de Nas Montanhas da Loucura. A adaptação fica por conta daquilo que havia sido reportado oficialmente por Lake e Dyer na expedição anterior e que Pym reconta para benefício do leitor, além do diário que o próprio Dyer entrega a Pym no prólogo, mas que Pym só realmente abre para ler quando chega no continente gelado.  A continuação existe muito mais como uma aventura que busca paralelizar a original do que como uma história completamente independente, mas que mesmo assim, considerando seu todo, cumpre bem sua função de render homenagens à Lovecraft pela fidelidade ao trabalho original e a todo o mito de Cthulhu que ele criou e legou ao mundo e sem inventar extravagâncias ou desdizer absolutamente nada do que foi construído antes.

Com isso, a leitura da HQ funciona tanto para aqueles leram quanto para aqueles que não leram a novela, ainda que seja um pecado capital embarcar na graphic novel sem ter degustado o original. Isso se dá porque Nas Montanhas da Loucura é uma obra fora de série que atiça a imaginação do leitor com enorme eficiência, fazendo o melhor uso possível da exploração de nosso imaginário. A materialização das criações de Lovecraft, sejam em quadrinhos, sejam em filmes ou séries de TV não costumam fazer jus ao mistério que o autor constrói e, aqui, nesta continuação, essa regra é mantida, pelo que ler a HQ antes de ler a novela pode retirar muito do valor da obra original.

Mas isso de forma alguma depõe contra o trabalho de Fyda. O autor desenvolve bem a urgência da narrativa e das descobertas de seu personagem, deixando o horror nas entrelinhas, sempre empregando uma abordagem psicológica que, porém, poderia ter se beneficiado de uma construção um pouco mais lenta e suave. Talvez por justamente tentar mimetizar Lovecraft, Fyda tenha simplificado demais o coração de sua história, dando a impressão que ele não se passa em um intervalo muito maior do que horas, o que retira o peso do clímax e do dénouement. Por outro lado, enquanto o protagonista está na caverna que descobre próximo ao acampamento original de Lake, da primeira expedição, percebe-se cuidado na forma com a tensão é distribuída.

Também responsável pela arte, Fyda trabalha traços finos e elegantes, alternando cores pasteis no presente e preto e branco para a primeira expedição de maneira muito fluida e fácil de acompanhar, recriando as monstruosidades lovecraftianas quase como se estivesse encarnando o trabalho de H.R. Giger, com curvas sinuosas e orgânicas, além de uma discreta lascívia nas formas. O resultado é muito agradável aos olhos – mesmo com todos os horrores – e fácil de acompanhar, já que o autor sabe contar uma história apenas visualmente, sem depender de textos pesados ou longos. Além disso, ele faz bom uso da mídia para trabalhar splash pages que revelam a imponência das montanhas do título e, consequentemente, da pequenez humana em todos sentidos, sejam em tamanho ou compreensão.

As Montanhas da Loucura é uma reverente homenagem a Lovecraft que, mesmo não apresentando nada terrivelmente novo para a mitologia – o que, de certa forma, é algo positivo, tenho que admitir – consegue estabelecer uma continuação crível e lógica para a assustadora história original. Sem dúvida há bastante espaço para evolução e Fyda deixa espaço para mais um episódio, o que definitivamente pode ser interessante se o autor arriscar-se em um mergulho mais profundo e amplo na literatura lovecraftiana.

As Montanhas da Loucura (The Mountains of Madness, EUA – 2020)
Roteiro: Adam Fyda
Arte: Adam Fyda
Editora original: Blue Fox Comics
Data original de publicação: 29 de agosto de 2020
Data de publicação no Brasil: não publicado na data de lançamento da presente crítica
Páginas: 66

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