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Crítica | Asterix e Obelix: O Combate dos Chefes (2025)

Mas foi só um menirzinho...

por Ritter Fan
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Diferente da maioria dos brasileiros, minha “educação quadrinística” não começou com a Turma da Mônica, mas sim com as HQs que meu pai mais gostava, ou seja, as da Família Pato da Disney, especialmente as histórias com o Tio Patinhas, e as de Asterix, o Gaulês, com a coleção dos classudos álbuns desse último ficando permanentemente na mesa de cabeceira dele, o que me obrigava a pedir emprestado com toda a solenidade e a tomar especial cuidado para não amassar ou rasgar. E, dentre todas as histórias dos irredutíveis gauleses, a que eu mais gostava ainda em tenra idade – e a que mais gosto até hoje, já burro velho – era O Combate dos Chefes, em que o druida Panoramix, depois de ser atingido por “um menirzinho” arremessado por Obelix, perde a memória e não sabe mais preparar a valiosa poção mágica, deixando em jogo o controle da aldeia em razão do desafio ao combate do título feito pelo musculoso Tomix, chefe galo-romano de uma aldeia próxima, ao rechonchudo chefe Abracurcix como parte de um plano maligno de Júlio Cesar para finalmente dominar TODA a Gália.

Publicada originalmente em forma serializada em 1964 e, em formato de álbum, em 1966, essa maravilhosa história escrita e desenhada pelos grandes e saudosos René Goscinny e Albert Uderzo já havia sido adaptada uma vez na forma de longa-metragem animado, em 1989, ganhando por aqui o título Asterix e a Grande Luta, mas com um resultado no mínimo duvidoso que inexplicavelmente reuniu O Combate dos Chefes com O Adivinho, não conseguindo ser nem uma coisa, nem outra. Agora, Alain Chabat, que comandou nada menos do que Asterix e Obelix: Missão Cleópatra, mais conhecido como a melhor produção audiovisual da franquia até hoje, vem ao resgate de meu álbum querido para soterrar de vez a infâmia oitentista, entregando uma série irredutivelmente sensacional que, surpresa, surpresa, também funde duas histórias bem diferentes, só que chegando  a resultado diametralmente oposto.

A palavra-chave, aqui é adaptação. Como aconteceu com O Eternauta, outra HQ de décadas atrás cuja adaptação audiovisual foi lançada pelo Netflix no mesmo dia que Asterix e Obelix: O Combate dos Chefes, estamos diante de um cuidadoso trabalho de roteiro que pega a obra original e faz o necessário para a conversão de mídia, evitando a mera e via de regra sem graça transliteração, o que seria um desserviço à arte. Em breves, mas recheados cinco episódios, Chabat usa a história do “álbum que não é exatamente álbum” Como Obelix Caiu no Caldeirão do Druida Quando Era Pequeno para não só contar o que o título descritivo estabelece em um apaixonantemente fofíssimo flashback já no primeiro capítulo, como para estabelecer as bases para toda a narrativa que faz com que Obelix (voz original de Gilles Lellouche) ganhe mais foco e tenha uma jornada de redenção mais completa e relevante pela besteira que faz com o idoso druida. Ou seja, os puristas tenderão a reclamar, mas a grande verdade é que essa mudança leva a um final de minissérie que é tão bom quanto o final do álbum, mantendo o espírito e estrutura da obra original, mas semeando-os de elementos dinâmicos que trazem a narrativa de volta à dupla central das histórias e abrem espaço para diversas ideias geniais como “posar para mosaico”, o uso de comentaristas esportivos na luta – um pirata de mão de gancho todo grosseirão e uma núbia sofisticada – e a paródia de It’s a Small World, o icônico passeio dos parques da Disney que tem uma insuportável canção-chiclete (sim, essa que você está ouvindo incessantemente agora aí em sua cabeça).

Confesso que fiquei de má vontade quando soube que a animação seria com modelagem 3D, ainda que fosse improvável que meu desejo inicial de uma pegada 2D fosse utilizada nesse mundo “moderno” em que vivemos. Faz parte do jogo e o público de hoje está mais acostumado com a computação gráfica dominando tudo, pelo que não havia muita saída para uma obra comercial dessas. Mas qual não foi minha surpresa quando eu percebi que o cuidado que Chabat – que empresta sua voz para Asterix e para Veteranix – teve com os roteiros, ele também teve ao comandar tanto o design tridimensional dos personagens e cenários, como a renderização que dá texturas diferentes aos variados tecidos e peles que são usados nos figurinos (reparem nos dos protagonistas para vocês terem uma ideia do que falo), além da vegetação da floresta que cerca a aldeia dos irredutíveis gauleses e o metal brilhante das armaduras dos romanos. E os traços originais de Uderzo são mantidos à perfeição, mesmo quando novos personagens são introduzidos, como por exemplo a mãe dominadora e sempre insatisfeita de Júlio César (Jérôme Commandeur), Metadata (Anaïs Demoustier), que dá a ideia a César de usar as regras gaulesas contra eles mesmos, e seu tio Velóziusefuriozius (Fred Testot), centurião  metido a engraçadinho.  Além disso, Chabat, também apoiando-se na moda atual de misturar estilos de animação, mas sem cair na armadilha do exagero, faz a ponte entre o novo e o antigo, por vezes usando desenhos delineados como se fossem esboços do próprio Uderzo e onomatopeias escritas para os momentos de “violência” com os legionários, sempre mantendo uma ótima lógica interna que justifica cada forma de animar a obra.

Engraçado, refrescante, vistoso, divertido, inteligente e capaz de agradar a crianças e adultos da mesma forma, mas por razões diferentes, Asterix e Obelix: O Combate dos Chefes é mais um triunfo de Alain Chabat nesse risco universo em quadrinhos. Fica a torcida para que essa minissérie tenha sido apenas o começo de um projeto ambicioso do Netflix de levar os outros 23 álbuns (sim, eu me limitei àqueles escritos por Goscinny) para a telinha. Eu sei que eu estou pronto para mais, por Tutatis!!!

Obs: Não percam o hilario curta-metragem focado em uma dupla de javalis ao final dos créditos do último episódio!

Asterix e Obelix: O Combate dos Chefes (Astérix et Obélix : Le Combat des Chefs – França, 30 de abril de 2025)
Desenvolvimento: Alain Chabat (baseado em obra de René Goscinny e Albert Uderzo)
Direção: Alain Chabat, Fabrice Joubert
Roteiro: Alain Chabat, Pierre-Alain Bloch, Benoît Oullion
Elenco (vozes originais): Alain Chabat, Gilles Lellouche, Anaïs Demoustier, Laurent Lafitte, Thierry Lhermitte, Grégoire Ludig, Géraldine Nakache, Grégory Gadebois, Jean-Pascal Zadi, Fred Testot, Jérémy Prévost, Jeanne Balibar, Jérôme Commandeur, Stéfi Celma, Alexandre Astier, Pio Marmaï, David Marsais, Barbara Tissier, Marie Facundo, Gérard Darmon, Chantal Lauby, Xavier Fagnon
Duração: 180 min. (cinco episódios)

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