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Crítica | Better Call Saul – 6X12: Waterworks

Águas passadas, culpa presente.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers da série. Leiam, aqui, as críticas dos episódios anteriores e, aqui, de todo o Universo Breaking Bad.

Se Breaking Bad, o episódio anterior de Better Call Saul, tentou ser o Rashomon de Better Call Saul, o episódio que introduziu Saul Goodman em Breaking Bad, Waterworks tenta – e consegue – ser o Rashomon de Breaking Bad (o episódio), ao finalmente revelar como exatamente foi a ligação que não ouvimos entre Jimmy e Kim, que, descobrimos aqui, estava mesmo do outro lado da linha, e os efeitos para ela da breve, mas traumatizante conversa. Mais uma vez, Vince Gilligan, agora no roteiro e na direção, retorna ao passado colorido em Albuquerque, mas de forma muito mais eficiente do que os perigosos e estranhos paralelos frankensteinianos que povoaram o capítulo anterior.

Como Jimmy vivendo em Omaha como Gene Takavic, gerente de uma loja da franquia Cinnabon, Kim, agora, vive na Flórida em uma vida muita aquém daquela que ela poderia ter. Mas, diferente do ex-marido, essa foi a vida que ela elegeu ter ao sair do caminho destrutivo que Jimmy seguiu após o assassinato de Howard Hamlin, e, mais diferente ainda, apesar de penteado e cabelo diferentes, Kim é Kim. Ela não está escondida ou refugiada da Justiça. Não que ela não esteja fugindo, mas a outrora brilhante advogada foge é de sua consciência, tentando passar os dias como se ela não tivesse deflagrado, mesmo que indiretamente, o violento fim do ex-mentor, ex-colega e ex-chefe.

E os efeitos da conversa – razoavelmente prosaica entre ela e Jimmy depois de seis anos – são completamente diferentes para ele e para ela. Se a raiva incontida de Jimmy o fez retornar a seus golpes e uma trajetória inevitável e conscientemente autodestrutiva, a tristeza ebuliente a faz procurar expiação. Não perdão, vale notar, mas sim expiação. Sem nenhuma hesitação, ela retorna para Albuquerque para fazer uma declaração juramentada perante a promotoria pública sobre os detalhes que ela sabe sobre a morte de Howard Hamlin, finalmente trazendo à lume o que antes era um segredo que condenava o morto a uma imagem eterna de um viciado em drogas que tirou a própria vida. A visita de Kim a Cheryl Hamlin, viúva de Howard, é um momento poderoso, doloroso, mas também de certa forma seco e prático. Kim sabe que dificilmente será culpabilizada criminalmente de algo em razão da completa ausência de provas – não que ela exatamente se importe com seu destino, vale dizer – e Cheryl sabe que uma ação indenizatória contra ela terá pouco efeito prático, mas a catarse silenciosa é clara: Kim fez tudo o que podia fazer diante das circunstâncias e é visível o alívio de Cheryl pelo que a visita representa para o peso da culpa que sentia pela morte do marido há anos.

A sequência entre Cheryl e Kim, seguida da que mostra o choro descontrolado de Kim no ônibus da empresa de locação de automóveis são, sem dúvida alguma, os dois grandes momentos de Waterworks, as grandes justificativas verdadeiras e viscerais para a própria existência do episódio, com Rhea Seehorn novamente mastigando cada centímetro de cenário que ocupa. Claro que os breves retornos ao passado em que somos brindados com um Jimmy escondendo-se atrás da frieza de Saul para assinar os papéis de divórcio que Kim traz, com direito a Kim ter uma breve conversa com Jesse no exterior do escritório do ex-marido – esse sim um bem inserido fan service, muito superior e muito mais interessante ao que tivemos no episódio anterior – em que ela atesta a qualidade do trabalho do advogado que um dia conheceu, são também excelentes e complementam de forma graciosa os detalhes da nova vida de Kim e de sua busca por algum tipo de alívio espiritual.

Não que o retorno do episódio a Omaha, para o ponto em que paramos anteriormente, seja ruim, longe disso. É que ele não só representa uma quebra narrativa consideravelmente brusca do que estávamos assistindo, como, também, é, apenas, mais do que já esperávamos, enquanto que o vimos de Kim é pujante de melancolia, de culpa, de uma vida desperdiçada, uma espécie de consolidação de toda a tristeza de Better Call Saul. Quando Jimmy ganha os holofotes, nós o vemos cumprir a missão com sua mais recente vítima, depois que Buddy se recusa a roubar alguém com câncer. Ele descobre e fotografa tudo o que precisa para seu golpe dar certo e está pronto para ir embora quando… sua própria culpa, talvez seja desejo de pagar pelo que fez, talvez um pouco de ambição também, o impede de sair. Ele precisa de mais, precisa ir até o limite e, chegando lá, ultrapassá-lo, ou quase, com a vítima novamente dormindo antes de que ele precisasse literalmente partir para a violência, talvez até assassinato involuntário. E exatamente o mesmo – ou quase – acontece quando Marion descobre quem Gene foi (e, ao que tudo indica, continua sendo) com a maravilha da tecnologia chamada internet da variedade discada. Jimmy está pronto para cometer violência novamente, mas alguma coisa, um resto de decência ou, claro, seu desejo escondido de ser pego, o impede, permitindo que a senhora que antes confiava nele, chame ajuda e deixe sua identidade evidente para o mundo e para o FBI. É, sem dúvida alguma, uma forma simples, mas eficiente de dar cabo do protagonista, bem no estilo direto e sem firulas de Vince Gilligan.

Agora, estamos a um episódio do fim de uma das séries mais espetaculares – apesar dos pesares – da última década. Podemos ter um encerramento tão enganosamente simples quanto todos os grandes momentos desta temporada, com Jimmy/Saul/Gene apenas preso ou… como Breaking Bad (a série), podemos ter um momento quase absurdista de fim à la Butch Cassidy e Sundance Kid. Ou, eu ainda não descarto, talvez possamos ser brindados com um final feliz ou, pelo menos, a indicação de algo nessa linha. Façam suas apostas!

…DITO TUDO ISSO…

Sei que já escrevi bastante, mas não poderia deixar de fazer meu posfácio aqui. E a razão de eu colocar dessa forma é para deixar bem claro a meus leitores que o que eu gostaria que Waterworks tivesse sido não interferiu em minha avaliação do episódio. E o que eu gostaria que Waterworks tivesse sido? -, vocês me perguntarão. E a resposta é simples: nada. Eu não queria que o episódio sequer existisse.

Waterworks e também Breaking Bad (o episódio) esmiúçam um fim que não precisava ser esmiuçado. Eu – Ritter Fan – não tinha a menor curiosidade de saber o fim efetivo de Kim Wexler e de Jimmy McGill pós-Fun and Games e pós-Nippy respectivamente. E essa minha opinião dificilmente mudará com o aguardadíssimo episódio de encerramento. Sei muito bem que Vince Gilligan e Peter Gould não são showrunners que gostam muito de deixar dúvidas sobre o fim de seus personagens, mas eu não tinha a menor dúvida dos fins de Kim e de Jimmy ao final dos citados episódios. O que eu definitivamente não precisava era ver os detalhes do que ocorreu porque, juntamente com os detalhes, vai-se embora também a mágica.

Sou um grande defensor do “menos é mais” e os três episódios extras da série, que basicamente têm vida própria, encerrarão muito bem a história, mas, ao mesmo tempo, extrairão dela toda e qualquer ambiguidade, todo e qualquer tom de cinza, toda e qualquer imaginação. E havia espaço para isso tudo em Better Call Saul. Aliás, vou além: a série pedia um final menos explícito, menos iluminado por holofotes que impedem qualquer sombra. Breaking Bad (o episódio) brincou de fazer retcon no universo todo, algo que pode continuar no derradeiro episódio, ainda que eu espere que não, e Waterworks nos trouxe Kim novamente para que não tivéssemos dúvida do tipo de vida que ela vivia e do peso da culpa que ela sentia. É como ver o que está em nossa imaginação e, por mais que seja um prazer assistir qualquer coisa que Gilligan e Gould colocam em tela, a imaginação e aquela pontinha de dúvida que vem a seu reboque  continuam sendo muito mais poderosos e valiosos do que qualquer imagem.

Mas não se pode ter tudo, não é mesmo?

Better Call Saul – 6X12: Waterworks (EUA, 08 de agosto de 2022)
Criação e showrunners: Vince Gilligan, Peter Gould
Direção: Vince Gilligan
Roteiro: Vince Gilligan
Elenco: Bob Odenkirk, Carol Burnett, Pat Healy, Rhea Seehorn, Aaron Paul, Tina Parker, Francesca Liddy, Sandrine Holt, Alvin Cowan
Duração: 56 min.

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