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Crítica | Doctor Who: Combat Magicks, de Stephen Cole

Bruxas, zumbis, e Átila, o Huno.

por Rafael Lima
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Equipe: 13ª Doutora, Graham, Yaz, Ryan
Espaço: Gália
Tempo: 451

Não me parece uma previsão absurda dizer que no futuro, quando olharmos para a Era da Décima Terceira Doutora na TV, vamos ver um dos períodos mais controversos da história da Série. Muitos têm as suas próprias ideais sobre os motivos da Era Jodie Whittaker ser tão desestimulante para uma parcela dos fãs, com alguns dizendo que o problema são os novos personagens, enquanto outros apontam que o calcanhar de Aquiles da atual fase do programa é o seu direcionamento explicitamente progressista. Em minha opinião, é uma escrita que, na maioria das vezes, é sem brilho. Pois se realmente tivéssemos boas histórias, a fase Whitaker/Chibnall poderia manter muitas de suas bases conceituais e ainda trazer qualidade. A prova é a ótima trinca de romances da série New Series Adventures, que acompanhou a 11ª Temporada da série.

Os três livros organizados pelo editor Stephen Cole se encaixariam sem problemas na visão da era da 13ª Doutora. The Good Doctor de Juno Dawson (o melhor da trinca) é a aventura com tintas sociais tão caros à atual fase do show; Coração Derretido de Una McCormack (o mais fraco dos três livros) funciona como a história de consciência ecológica que é uma constante na Era Chibnall; e por fim, chegamos a Combat Magicks, escrito pelo próprio Cole, que se caracteriza como a aventura de celebridade histórica, que também se tornou uma característica forte desse período do Show.

 Na trama, situada entre It Takes You Away e The Battle of Ranskoor Av Kolos, a TARDIS chega à Gália, em 451, nas vésperas da batalha entre as forças de Átila, o Huno e do Império Romano, comandado por Aécio. Após acharem um guerreiro huno ferido, o time da TARDIS descobre que tanto os hunos quanto os romanos estão recebendo auxílio sobrenatural em sua guerra, fornecido por poderosas bruxas conhecidas como as Tenctramas. Capturada pelos hunos para fornecer mais magia de combate ao Exército, a 13ª Doutora passa a investigar as Tenctramas, desconfiada de que elas são alienígenas se aproveitando do conflito para atingir os seus próprios interesses.

Em Combat Magicks, Stephen Cole entrega uma trama que articula o épico histórico com a fantasia de terror. O livro consegue transmitir a grande escala do confronto que se aproxima entre os hunos e os romanos, ao mesmo tempo em que cria uma atmosfera mórbida de horror através dos elementos fantásticos. Como se a guerra não fosse assustadora o suficiente, Cole insere passagens impressionantes de pesadelo como céus vermelho fogo, nuvens de corvos assassinos, e tropas de guerreiros zumbi marchando pelos campos da Gália. Embora não possua descrições explicitas de violência, Combat Magicks deixa o leitor com a sensação de que qualquer um pode sofrer uma morte brutal a qualquer momento, o que é um mérito do autor. 

Entre as razões de essa atmosfera ser tão efetiva, está o cuidado com que o autor constrói o mundo da narrativa. Temos uma boa ideia do momento em que a campanha de conquista de Átila se encontra, assim como do atual estado do império romano e seus arredores, além de termos uma ótima compreensão da influência que as Tenctramas estão tendo no conflito entre esses dois povos. Cole também merece elogios pela criação da Legião Da Fumaça, uma espécie de UNIT do império romano, que investiga casos sobrenaturais e extraterrestres, e que é usada inclusive para dar interessantes acenos para a relação do Doutor com este período histórico, apontando a constante presença do Time Lord e de sua caixa azul em torno de grandes tragédias, como o grande incêndio de Roma (em The Romans) e a destruição de Pompéia (em The Fires Of Pompeii).

O autor dá um ritmo dinâmico para a sua narrativa, trabalhando os diferentes núcleos da trama com eficiência, mas deixando que a história respire quando necessário, evitando assim uma condução atropelada. O 3º ato também é digno de nota, por Cole construí-lo em torno de uma grande batalha entre os romanos e os hunos, criando com calma o crescendo de tensão até atingir um clímax explosivo e emocionante. Embora eu goste que os livros reproduzam o tipo de história que poderia ser produzida no show no período retratado pelo autor; eu também gosto quando os escritores se valem do formato literário para entregar algo que a série nunca teria o orçamento para fazer, e é o que temos aqui, com a Doutora correndo em uma batalha entre dois grandes exércitos, que ainda conta com bestas monstruosas, zumbis e bruxas sanguinárias. Falando nas bruxas, as Tenctramas são excelentes antagonistas para a solar 13ª Doutora. Descritas como criaturas esqueléticas e decrépitas, as Tenctramas são criaturas assustadoras e violentas, que de fato conseguem trazer uma sensação de ameaça palpável para os protagonistas.

A obra traz um elenco de apoio carismático, e que carrega conflitos interessantes. Átila, embora longe de ser simpático; ganha camadas que o fazem ir além do arquétipo do líder militar mal-humorado. O comandante Aécio é outro personagem digno de nota, com a sua persona fria e calculista criando um bom contraste com a personalidade mais explosiva de Átila. Além das figuras históricas, vale destacar Lícinia, a determinada legionária da Legião da Fumaça, que desenvolve uma bonita parceria com Ryan. Até mesmo o cavalo de Átila, Juba Mordida, tem a sua importância na história, e o fato da obra conseguir fazer com que nos importemos com um cavalo diz muito sobre a habilidade do autor de nos fazer ter empatia por seus personagens. 

Cole compreende a 13ª Doutora de Whitaker, reproduzindo toda a energia e otimismo que a personagem possui na TV, com o momento em que tenta entender por que tem sido frequentemente confundida com uma bruxa desde que se regenerou sendo absolutamente hilário e bem característico desta encarnação. Ao mesmo tempo, Cole explora o lado mais agressivo e perigoso da Time Lady em seus confrontos com as Tenctramas, sem com isso descaracterizá-la. Ryan também ganha ótimos momentos ao se juntar à Legião da Fumaça, possuindo alguns divertidos momentos de flerte com Lícinia, e até tendo a sua dispraxia explorada de forma interessante (algo que a série nunca conseguiu fazer). 

Graham também possui ótimos momentos, ao acidentalmente se tornar o médico pessoal de Aécio, por ter ficado com um pote de gel cicatrizante futurista usado pela Doutora. O livro é muito feliz em transpor a constante consternação que o companion sente ao constatar os absurdos das situações em que se mete (tal como na TV), de modo que eu conseguia ver os olhos arregalados de Bradley Walsh enquanto virava as páginas. Quem acaba subaproveitada é Yaz, que é reduzida a uma donzela em perigo, mantida como refém primeiro por Átila, e depois pelas Tenctramas. A Yasmin retratada aqui cumpre aqui a função mais rudimentar que um Companion pode desempenhar, ou seja, fazer perguntas para a Doutora, e pensar o quão brilhante a Time Lady é. Fica claro o desinteresse de Cole pela personagem (o que me faz perguntar por que ela está na capa), já que os outros dois livros da série provaram que era possível sim trabalhar com a TARDIS lotada da Doutora, sem escantear nenhum protagonista da forma que é feito aqui.

Apesar deste pecadilho, Stephen Cole entrega uma aventura empolgante, que conta com uma construção de mundo bem feita e personagens carismáticos. Combat Magicks revela-se uma obra menos politizada do que os outros livros da 13ª Doutora lançados até então, o que não é um problema, pois às vezes Doctor Who dá o seu melhor quando se concentra “apenas” em contar uma boa aventura repleta de ação, criatividade e momentos assustadores, e isso com certeza o leitor vai encontrar aqui.

Doctor Who: Combat Magicks — Reino Unido. 22 de Novembro de 2018
Autor: Stephen Cole
BBC New Series Adventures # 65
Publicação: BBC Books
246 Páginas

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