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Crítica | Um Quarto na Cidade

Mais um musical totalmente cantado de Jacques Demy.

por César Barzine
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A primeira cena de Um Quarto na Cidade parece representar um tema que terá maior predominância no enredo; no caso, um confronto entre grevistas e a polícia, sugerindo que a questão central do filme será sobre sindicalismo ou alguma pauta social do tipo. Grande engano. A situação dos grevistas é mero pano de fundo para uma história de romance que, na realidade, nem chega a ser um romance. O operário François está noivo da doce Violette, mas acaba cedendo aos encantos de Edith, uma bela mulher casada com o emocionado Edmond. Um quarteto amoroso, portanto. Porém, apesar de tantas conexões, o filme é raso quanto ao fator romântico. Não há muito sentimento impresso aqui, e a trama não é lá das mais engenhosas ou apreensivas. O filme deixa um pouco a desejar no desenvolvimento da história e seus personagens; contudo, trata-se de um musical todo estilizado de Jacques Demy, então cabe repensar qual é o peso disso.

Além do fato de Demy ter uma identidade estética muito própria, esse questionamento surge graças às semelhanças com outros dois filmes dele: Os Guardas-Chuvas do Amor e Duas Garotas Românticas. Ambos são musicais, mas o primeiro possui um contraste mais forte com Um Quarto na Cidade por uma semelhança bastante particular, que é o fato de ambos serem totalmente cantados, sem uma palavra sequer deixar de ser musicalizada. Os números musicais e os diálogos são basicamente a mesma coisa. Demy é um cineasta tão personalizado que, nesses musicais, as apresentações das músicas não são uma mera peça do conjunto, e sim se encontram num papel de onipresença, salientando a originalidade dos universos criados por esse verdadeiro autor.

No entanto, se o estilo geral do longa é uma característica bastante expressiva, ele também é algo insignificante, pois esse fator não se converte em algo valorativo. Ou seja, não empolga — embora seja chamativo. Outra limitação, que ocorre em contraste com Os Guarda-Chuvas do Amor, é que, sendo o filme todo cantando, simplesmente acaba não tendo uma música que se destaque — até porque nele inteiro existe, de certa forma, somente uma única música. Os diálogos, no quesito sonoro, em momento algum ficam forçados ou insípidos — o que é quase uma proeza —, mas também nunca alcançam um patamar que contagie o espectador. O idioma francês, bonito e charmoso por natureza, ajuda nessa estetização da fala, sempre soando melódica mesmo nas mais triviais frases. Há de se observar que inexistem danças, juntando isso com a extensão total das canções, faz com que não se crie “intervalos’’ na narrativa para que elas surjam, naturalizando-as como se cantar fosse tão comum quanto qualquer outra coisa.

Há um distanciamento do espectador com quase todos os personagens, seja pela antipatia deles ou pela falta de um desenvolvimento maior. Quanto ao quarteto amoroso, só a Violette se salva no primeiro item, e isso se deve principalmente ao fato de que morremos de pena dela. O roteiro acerta na caracterização da personagem como uma mocinha meiga e jovial, um perfil reforçado pelo seu figurino sempre com vestidos rosas. Tudo isso ajuda na identidade dela como também uma coitada ingênua que é traída, sendo tratada sem a necessidade de aprofundamento psicológico e dramático. Do outro lado, François e Edith estão apaixonados, sentimento que aparenta se dar mais pela sensualidade que impera entre eles do que pela delicadeza de um amor idílico. Talvez tenha sido essa a razão da simpatia do público se inclinar para Violette. É dela que parte o mais genuíno romantismo. 

Todo filme de Demy é romântico de alguma forma. Romântico por se deslumbrar pelo mundo ao redor, por desejar algo dele e se deixar levar pelo seu fascínio. O desejo constantemente está presente; e tudo continua belo — ao menos para nós, espectadores — mesmo quando tal bem precioso não é conquistado. Aqui, todos os elementos do mundo de Demy se manifestam: o visual ultracolorido, as músicas, os amores, os desejos. Porém, eles apenas aparecem como simples fenômenos, algo morno e sem a magia dos outros filmes.

Une Chambre en Ville (França, Itália – 1982)
Direção: Jacques Demy
Roteiro: Jacques Demy
Elenco: Dominique Sanda, Danielle Darrieux,Richard Berry, Michel Piccoli, Fabienne Guyon, Anna Gaylor, Jean-François Stévenin,  Jean-Louis Rolland, Marie-France Roussel
Duração: 90 minutos.

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