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Crítica | Venom: Tempo de Carnificina

por Davi Lima
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Venom: Tempo de Carnificina não se baseia em autoconsciência cômica ou em delimitar o  formato de filme B de uma grande produtora para ser uma experiência aceitável e capaz de entreter. Esse novo filme compreende melhor a base narrativa apresentada no primeiro Venom, de como o parasita chamado Venom não pode ser plenamente domesticado e de como Eddie Brock (Tom Hardy), o protagonista parasitado, é um péssimo jornalista para ser protagonista em sua história “anti-heroica”, surgindo essa sequência com o mínimo ajustado dessa relação entre os dois. A direção de Andy Serkis e a trilha sonora de Marco Beltrami entende que o “terror” produzido pela Sony é romântico e tem violência lúdica como um desenho animado: um blockbuster honesto com seu material puramente mercadológico. 

Quando Venom estreou nos cinemas, a truncagem na maneira de contar a história esquisita de uma gosma escura vindo do espaço, capaz de infectar violentamente um fracassado jornalista para salvar o mundo de outra gosma do mal, se tornou alvo de comédia e reinterpretação da parasitose como tensão sexual de comédia romântica entre os dois personagens. Isso é compreensível por fatores específicos do primeiro filme, como: o beijo da mulher Venom, a separação de Eddie da sua namorada Anne (Michelle Williams) e o histórico do diretor Ruben Fleischer (Zumbilândia, Santa Clarita Diet, Caça aos Gângsteres) com filmes cômicos a partir de temas violentos. No entanto, eram tantas conveniências para uma trama “heróica”, num típico roteiro clássico que tenta se justificar para misturar uma ficção científica genérica com tons de comédia, que se torna o caso de uma “obra tão ruim que diverte” ou que “causa ofensa descartável”.

Venom: Tempo de Carnificina é diferente. Não busca dialogar com gêneros de cinema ou propor algo autoral, como Ruben tentou e foi barrado pela Sony Pictures. Dessa vez, Andy Serkis, conhecido por interpretar Gollum em Senhor dos Anéis e César em Planeta dos Macacos, parece que teve  uma boa conversa com o produtor de cinema inglês Jonathan Cavendish (desde Razão Para Viver, passando por Mowgli e chegando, finalmente, na sequência de Venom), para ter a oportunidade de um trabalho como diretor. 

São trabalhos por encomenda. De maneira geral, um sobre o pai do produtor, o outro uma concorrência direta com a Disney pela Warner e agora um mantenedor de bilheteria da Sony no universo do Homem-Aranha sem o Homem-Aranha. Por isso, essa sequência entrega um produto bem sucinto em termos de metragem e uma reciclada qualidade do que sobrou de Tom Hardy e da roteirista Kelly Marcel, a única que restou da equipe de roteiristas do primeiro filme.

Nesse formato ainda mais evidente de sacola de venda, o filme apresenta um fiapo de roteiro, com métodos didáticos que valorizam bem mais o vilão Carnificina como definidor dos rumos urgentes do entretenimento da história e complementos visuais confortáveis com toques de realismo e cartum. Nisso, Serkis e Beltrami – compositor queridinho das produtoras para trabalhos menos autorais em Hollywood e pegador de bucha, como descrevi no texto sobre a trilha sonora de Quarteto Fantástico de 2015– formam uma dupla subserviente para compor uma produção consumível nos ares mais simpáticos e diretos que um blockbuster precisa para vender muito… com o  pouco que se tem para contar. Não é lá grande coisa, afinal, a história que toma o encarceirado Cletus Kasady como guião narrativo que chama Eddie Brock para contar sua história no jornal, enquanto o Venom com instinto heroico de Protetor Letal atrapalha os planos do assassino para iniciar a narrativa.

Numa análise fria do roteiro, ele parece extremamente pequeno em escopo, curto em trama e simples em motivações. Um dos principais conflitos podem ser imaginados como serão concluídos pelo espectador logo nos primeiros minutos, seja pela objetividade do texto de Kelly, seja pela complementação visual “óbvia” que Serkis quer propor; ou quem sabe o espectador mal vá sentir o conflito de tão rápido que acontece. 

Mas o diferencial nisso tudo é que, nessa mediocridade, Hardy parece confortável em atuar com o texto que ele mesmo contribuiu no roteiro, como um ator de peça de teatro onde o cenário de três paredes seria a sua casa e a quarta parede seria  a voz de Venom, como um narrador. Kelly Marcel parece escrever linhas românticas de texto que só uma Hollywood antiga teria coragem de expor num filme, e por isso se tornam engraçadas e engajantes para o espectador contemporâneo. Andy Serkis junta as duas peças e implementa uma camada de CGI bem modelada, mais uma cobertura pontual de close-ups para dramatizar pontualmente seu bolo de Venom: Tempo de Carnificina.

Assistir a essa sequência é como comer comida doce customizada para o halloween, que serve mais para o período de festa do que para comer bem. O filme até abraça traços do cartum “racionalizado” num cenário de terror bem antiquado, com casarões de prisões antigas, misturando prisões mais modernas que são destruídas em prol do amor adocicado de violência presente na obra. Isso porque Cletus Kasady é romântico. Juntamente à sua namorada, Francês Barrison (Naomie Harris), como Bonnie e Clyde, dirigem um carro vermelho em meio às cenas de ação e explosão. Já Carnificina é o ponto mais aterrorizante. A gosma vermelha representa o amor e o mal, até mesmo com metáforas sociais, como machismo, por exemplo. 

Se antes o rosto de Venom olhando para Eddie no primeiro filme parecia algo como Hamlet e a caveira falando com sua consciência, a dupla literalmente se faz, agora, algo como Sancho Pança e Dom Quixote para executar a  justiça como anti-heróis, com uma interpretação totalmente à parte dos acontecimentos do filme. Dessas interações com o mundo real é que se expõe o romance simbiótico entre a dupla. Mostra-se que o gosmento preto é mais sensível e não tão fácil de domesticar. Já Eddie se torna mais emocionalmente dependente do amigo alien, embora passivo em saber lidar com ele, dando espaço para Anne ter seus momentos mais cômicos e dramáticos com o parasita, algo que a atriz Michelle Williams parece realmente gostar.

Assim, a rivalidade entre Carnificina e Venom se torna o romântico contra o lúdico. O diretor Andy Serkis dá esse tom como uma maneira de equilibrar o peso violento presente nesses personagens que querem sempre comer cérebros humanos. Beltrami entende isso perfeitamente na trilha sonora, que já está na introdução da tela preta do filme como uma espécie de seresta do terror. Não é um filme de comédia, mas tem uma relação esquisita entre o par Eddie e Venom, enquanto Cletus, o vilão, é o romântico em conflito quando o amor fica dividido entre paixão e ódio. Tudo isso numa trama previsível, mas não menos divertida e consumível.

Uma básica história de vingança infantil expandida por uma briga de um casal exótico não poderia demorar em ser contada. Como um desenho animado, a montagem mal deixa Cletus terminar uma frase de efeito e já parte para outro plano, e para manter uma sugestão de violência, quanto mais rápido o ritmo, menos tempo de aliviar o cérebro do público para entender por que uma simbionte preta e outra vermelha parecem tão sólidas visualmente e tão ágeis ao mesmo tempo. 

Venom: Tempo de Carnificina é um produto perfeito para vender, unindo suas carências a complementos estranhos e desenhados em resquícios do primeiro longa. Não é um romance, não é um terror, não é um sci-fi e não é uma comédia; é apenas Venom. Sem muita história para contar, como era nas HQs, mas com um encurtamento narrativo para divertir o público com esquisitices visualmente equilibradas aos  temas lúdicos e românticos.

Venom: Tempo de Carnificina (Venom: Let There Be Carnage) – EUA, 2021
Direção: Andy Serkis
Roteiro: Kelly Marcel, Tom Hardy
Elenco: Tom Hardy, Woody Harrelson, Michelle Williams, Naomi Harris, Reid Scott, Stephen Graham, Peggy Lu, Sian Webber, Michelle Greenidge, Rob Bowen, Laurence Spellman, Little Simz, Jack Bandeira, Olumide Olorunfemi, Scroobius Pip, Sean Delaney
Duração: 90 minutos

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