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Crítica | Meu Último Suspiro, de Luis Buñuel

por Ritter Fan
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Luis Buñuel é um brilhante cineasta, um de meus diretores favoritos. Há anos, quando comecei a me familiarizar com sua filmografia para além dos filmes mais óbvios, tratei de pesquisar mais sobre sua vida e, dentre o material que li, considerei sua autobiografia, Meu Último Suspiro, uma riquíssima fonte de conhecimento. O livro é de leitura fácil e gostosa, mas exige que o leitor tenha visto pelo menos suas principais obras para seu aproveitamento total.

A obra foi escrita por Buñuel em 1982 e seu título – Meu Último Suspiro – parece uma macabra previsão do futuro, já que o artista viria a falecer, aos 83 anos, em 1983. Trata-se de uma autobiografia mas não uma autobiografia comum. Buñuel mesmo a classifica como uma semi-autobiografia, por considerar que não é um escritor. Mas, na verdade, a narrativa é mesmo diferente do que estamos acostumados, pois ela segue apenas por alto uma determinada cronologia, que não é determinada a ferro e a fogo. O autor dá pulos de algumas décadas e volta para falar de épocas passadas com grande facilidade: é como se fosse alguém lembrando de seu passado de maneira natural, conversando com o leitor sentado na varanda de sua casa e tomando um chá (ou um uísque…).

O livro tem uma característica importante: a franqueza. Normalmente, em autobiografias, o autor costuma repaginar sua vida e dificilmente fala mal – ou só o que efetivamente pensa – sobre pessoas de seu convívio. Não é o caso aqui. Buñuel descasca vários grandes artistas contemporâneos seus, com especial destaque a Salvador Dalí que basicamente o traiu, chamando Buñuel de comunista em pleno Macartismo nos Estados Unidos. Buñuel não fala mal de Dalí por vingança; apenas retrata-o como um vendido, um homem fundador do movimento surrealista (leia nossas críticas de Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro, onde os dois colaboraram, para entender mais sobre a relação dos dois) mas que largou suas raízes para se vender para quem oferecesse mais dinheiro.

Outro destaque é o que Buñuel fala de Garcia Lorca. Lorca é adorado por Buñuel, mas apenas como pessoa, não como autor de peças de teatro. Ler o diretor falando mal de peças consagradas de Lorca é muito interessante, pois pouca gente tem coragem de atacar obras reconhecidamente adoradas pela crítica especializada. Não faço, aqui, julgamento algum. Apenas admiro-me com o quanto Buñuel é destemido no que afirma.

O mesmo acontece com as obras de Breton, com a pessoa de Jorge Luis Borges, com as obras de Hemingway e por aí vai.

No entanto, há que se frisar que Buñuel não faz isso por mal ou por inveja. São apenas suas opiniões sinceras e é extremamente divertido lê-las. Outra característica interessante do livro é que, apesar de ser a autobiografia de um cineasta, ele não fala muito de seus filmes. São pinceladas aqui e ali apenas, normalmente falando dos defeitos e do quanto ele não gostou de determinada obra que fez, e só. Seu foco é no movimento surrealista, nas memórias de infância e em suas experiências com a Espanha pré-Franco e durante a ditadura franquista.

Não faltam momentos engraçados, como, quando indagado por dois repórteres se ele achava que ganharia o Oscar de melhor filme estrangeiro por O Discreto Charme da Burguesia, ele respondeu: “É claro. eu já paguei os 25 mil dólares que eles queriam. Os Americanos podem ter suas fraquezas mas eles cumprem suas promessas.” A afirmação (uma brincadeira, claro), foi para as manchetes e escandalizou a todos, especialmente a Academia. No entanto, o filme acabou mesmo ganhando a estatueta dourada.

Descompromissado e gosto de ler, Meu Último Suspiro é um mergulho na mente surreal de um grande mestre da Sétima Arte. Trata-se, portanto, de um livro imperdível.

Meu Último Suspiro (Mi Ultimo Suspiro, Espanha – 1982)
Autor: Luis Buñuel
Editora (no Brasil): Cosac Naify (2009)
Tradutor: André Telles
Páginas: 376

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