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Crítica | Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado

Um romance sobre a chegada da modernidade no recôncavo baiano.

por Leonardo Campos
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Quando publicou Gabriela Cravo e Canela, em 1958, Jorge Amado apresentou ao seu público leitor uma mudança de perspectiva para a sua escrita. Os temas sociais, conhecidos pela abordagem mais panfletária das questões que emergiam em nosso território, deram espaço para narrativas repletas de tipos populares, isto é, coronéis, jagunços, prostitutas, dentre outros, num direcionamento literário focado na crônica de costumes da sociedade cacaueira. Dividido em duas partes, o romance em questão trouxe muitos traços da linguagem coloquial para os personagens e suas representações, num volume médio de 300 páginas que se tornou ainda mais popular após as diversas traduções para outros suportes semióticos, tais como o filme e a novela com Sônia Braga, bem como a releitura televisiva contemporânea da Rede Globo, além de peças teatrais, das ressonâncias na música popular, etc. É um fenômeno literário conhecido mundialmente, valioso enquanto conteúdo memorialístico de nossa história cultural, assim como material que reitera os estereótipos acerca do exotismo da mulher latina.

Em sua estrutura, o romance de Jorge Amado atravessa as ruas de Ilhéus na década de 1920, contemplando a agitação das noites litorâneas do lugar, uma região de riquezas naturais, homens poderosos e mulheres submissas. É neste espaço geográfico que o romance entre o dono de restaurante Nacib, um árabe circunspecto, e a retirante sertaneja Gabriela, acontecerá, trama que serve como catalisadora dos demais registros de personagens situados neste contexto social que inclui a abertura de um porto, a ascensão de empresários exportadores, em detrimento do declínio de alguns coronéis, bem como o surgimento de um painel de mudanças culturais e políticas no que tange ao posicionamento da mulher na sociedade, haja vista o patriarcalismo opressor, impregnado em todos os cantos da região, uma força esmagadora responsável por ditar as relações de gênero e hierarquizar seres humanos nas dinâmicas do cotidiano.

Gabriela é a catalisadora destas modificações culturais e políticas, arraigadas na sociedade arcaica por onde passa e conhece Nacib. Ela é uma retirante, como já mencionado, em busca de novas oportunidades em sua trajetória. Pode ser um trabalho como cozinheira ou doméstica. É quando chega até o futuro marido, um homem que tem um jantar encomendado, mas perde a sua colaboradora habitual de última hora, ocasionando na única opção que lhe resta, ou seja, Gabriela, a jovem menina cheia de adjetivos, dentre eles, os elementos que nomeia o romance, o cravo e a canela, especiarias que caracterizam o seu jeito de ser. Ela o encanta na cozinha, na cama e na vida, tornando-o um tórrido apaixonado, muitas vezes machista, mas consciente da mulher que estabelece em sua vida, uma figura arredia que nega a se curvar ao patriarcalismo.

Além da passagem de Gabriela, Jorge Amado também aborda a solidão de Glória, o crime passional envolvendo Jesuíno, homem que comete o crime de honra por pegar a sua esposa com o dentista da cidade, numa mescla de situações trágicas e humoradas, retratadas pela escrita satírica em muitos trechos. Dentre outros pontos temáticos que demonstram a chegada da modernidade no lugar, tudo de maneira muito lírica e apaixonante, nós temos as salas de cinema, por exemplo, empreendimento constantemente retratado, uma arte que atraia cada vez mais interessados por novidades da época. Com homens que se sentiam donos de suas mulheres e agiam violentamente diante da travessia de limiares de gênero, a publicação retratou como ainda havia muito caminho a ser pavimentado por estas figuras, sempre pontuado os passos dados.

A submissão, passividade e obediência de Ofenísia delineiam um modelo de comportamento, mas a ousadia de Gabriela e a postura de Malvina, sujeito de sua própria trajetória, demonstram que o romance é um dos arautos dos costumes que viriam depois. Como destacado na epígrafe do capítulo O Luar de Gabriela, “transformaram-se não apenas a cidade, o porto, as vilas e os povoados”, mas também, “modificaram-se os costumes, evoluíram os homens”. Com numerosas edições e traduções, Gabriela Cravo e Canela ganhou múltipla repercussão, um romance que permite diversas abordagens interpretativas, como podemos observar no volume de publicações científicas sobre o seu conteúdo. Ademais, apesar de endossar alguns estereótipos, o livro não deve ser contemplado pelos leitores apenas por essa via, afinal, é um compêndio lírico e belo das transformações sociais de uma época muito específica da história do interior do Brasil, uma representação da fusão dos elementos que compuseram a nossa colonização.

Gabriela Cravo e Canela (Brasil) — 1958
Autor: Jorge Amado
Editora: Record Companhia das Letras
Páginas: 336

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