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Crítica | O Chamado vs. O Grito

por Leonardo Campos
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Os arrepiantes ícones do folclore oriental, em especial o japonês, reinterpretados em nossa cultura através do cinema, deram vazão a um sistema gigantesco de produção e distribuição quando os ocidentais perceberam o potencial de determinadas histórias para o nosso público. Alguns filmes foram refeitos, outros chegaram até mesmo a ganhar exibição em salas de cinema, com campanha de divulgação sofisticada. Foi uma nova era para o terror, recém-saído dos desdobramentos da massificação slasher proposta por Pânico e recém-iniciado na prática de releituras de clássicos do cinema, sendo O Massacre da Serra Elétrica, um dos primeiros passos dados neste segmento que tal como todos os outros do sistema industrial, acabam adentrando na zona de exaustão.

Essa, no entanto é outra história, paralela ao processo de popularização do Horror Japonês, ou J Horror, como alguns chamam, isto é, nome empregado às narrativas ficcionais inspiradas no criativo e amplo folclore japonês, repleto de histórias macabras e assustadoras. O foco desses enredos é a antecipação do pavor, o estabelecimento do horror com imagens apavorantes, guiadas pelo horror psicológico de suas presenças. Em seus centros narrativos, há toques de exorcismo, possessão, premonição e outras criaturas deste folclore diversificado, tendo a ira dos que já foram como um ponto importante para justificar seus constantes retornos em busca do tormento das pessoas vivas que lhe devem algo.

Quando as histórias de espíritos vingativos orientais começaram a se popularizar na cultura ocidental, muitas críticas trataram de apontar as nossas dificuldades em acompanhar determinadas tramas sem linearidade ou com as câmeras explicativas, a detalhar cada passo da narrativa para os espectadores. As reflexões exaltavam a genialidade dos orientais no desenvolvimento de propostas mais psicológicas, diferente da nossa abordagem mais visceral, física e sanguinolenta das coisas. Até certo ponto, as análises tinham razão. Outro ponto foi a importação destas tramas, inicialmente revigorantes para o campo do terror, mas exauridas em poucos anos de produção, haja vista a exaustão de refilmagens, continuações e afins. Samara e Kayako, as entidades de O Chamado e O Grito, respectivamente, foram as duas histórias nipônicas mais “queridas” pelo sistema estadunidense.

Pelo que consta, os orientais também veneram os dois segmentos, pois a quantidade de reinícios, continuações e abordagens para tais espíritos vingativos é bastante extensa. E, a união de tais universos foi uma questão que até demorou de aparecer, numa comprovação de que não somos os únicos acostumados a exaurir temas. O Chamado Vs. O Grito, dirigido por Koji Shiraishi, guiado pelo roteiro que também assina, inspirado nos personagens de Hideo Nakata e Takashi Shimizu, foi lançado tardiamente, em 2016, numa prova cabal da falta de originalidade e da necessidade de oxigenação das histórias de terror orientais, também irritantes no que diz respeito aos processos de repetição, viciados em manter-se sempre a contar a mesma história.

Aqui, a solução dos personagens para a maldição é colocar Sadako e Kayako diante de uma disputa pela alma que ambas querem arrastar pelos paredões dos limbos que habitam. Antes disso, muita coisa acontece, repetições, por sinal, do que já vimos anteriormente, isto é, pessoas assistem ao vídeo amaldiçoado e sofrem as consequências do ataque de Samara, uma entidade vingativa que desconhece a palavra perdão. Em paralelo, alguém que mora próximo ou passa diante da famosa casa amaldiçoada por Kayako e Toshio acaba sendo perseguido pelas presenças vingativas que também desconhecem o verbo perdoar e arrastam para o seus universos qualquer pessoa que entre em contato, mesmo quando é contra a vontade própria da vítima, posta diante da casa por alguma ironia do destino ou por trolagem de terceiros.

Na trama, o professor Morishige (Masahiro Kamoto) é um especialista que beira à obsessão no que tange às lendas urbanas. Ele fala com fascínio, mas em alguns trechos parece uma caricatura. É neste contexto que circunda um vídeo sobre uma suposta maldição que toma aos que a assistem. As alunas Nastumi (Aimi Satsukawa) e Yuri (Mizuki Yamamoto) são as cobaias desse teste do horror. Elas encontram o vídeo numa ocasião inesperada: a busca de um videocassete para assistir e transferir um registro de casamento da família para o formato DVD. Horrorizadas com a possibilidade da morte bem perto de si, as jovens buscam uma estratégia para dar fim à maldição. Assim, surge o “exorcista” Keizo (Masanono Ando), contatado para dar apoio na finalização do mal, o que faz surgir a ideia de colocar tais forças em confronto.

Mas, o leitor deve se perguntar, onde está Kayako e a maldição de O Grito neste filme? Até agora basicamente o que se tem é a descrição da presença de Sadako. Pois é assim que a história se desenvolve também, pois o filme é basicamente sobre a menina do poço, o que deixa pouquíssimo espaço para a maldição com sons agonizantes e miado obscuro de um gato. Toshio, para o leitor ter uma ideia, aparece mais que a menina protagonista do universo em questão. Há alguns trechos paralelos com Suzuka (Tina Tamashiro), o elo com a casa assombrada por um mal que se estabeleceu depois de uma situação de ódio, mas é algo pouco substancial para tratar o filme como um crossover.

É injusto, inclusive, haja vista a trama ser mais “O Chamado” que “O Grito”. Tais problemas se refletem em seu desfecho, letárgico e insosso, pois o embate tão esperado não faz jus ao processo de enrolação proposto pela narrativa. Há um clima instigante, construído com base na atmosférica direção de fotografia e dos efeitos visuais de Tomo Hyakutake, acompanhado pelo sempre eficiente trabalho da trilha sonora e do design de som, assinados por Sakura Katsumata e Kôji Endô, respectivamente. Ademais, o que a trama nos mostra é a excessiva repetição de fórmulas já desgastadas, como explicitado nos primeiros parágrafos desta reflexão.

O Chamado vs. O Grito (Sadako Vs. Kayako) — Japão, 2016
Direção: Kôji Shiraishi
Roteiro: Kôji Shiraishi, Takashi Shimizu
Elenco: Mizuki Yamamoto, Tina Tamashiro, Aimi Satsukawa, Misato Tanaka, Masahiro Kômoto, Masanobu Andô, Ichiruko Dômen, Runa Endo, Maiko Kikuchi, Masayoshi Matsushima
Duração: 99 min.

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