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Crítica | Quem Ama Não Teme

Amor em tempos de… pólio?

por Fernando JG
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Um casal de dançarinos apaixonados se percebem no meio de um conflito de ordem imutável: a bela Carol Williams (Sally Forrest) é acometida, no auge de sua carreira, por uma poliomielite aguda que a deixa inválida por um longo tempo. Seu namorado, Guy Richards (Keefe Brasselle), se angustia enquanto sua parceira está no hospital em tratamento, no entanto, ela não consegue lidar com a mudança brusca que acarreta na possibilidade de nunca mais andar, decidindo, por isso, se afastar definitivamente de Guy, que tenta insistentemente tê-la de volta e fazê-la ver a vida com novas perspectivas.

Este melodrama com doses de autobiografia, uma vez que Ida Lupino também tivera pólio e sofrera com os mesmo problemas de sua personagem, tem raízes primárias no contexto de época, visto que se vale diretamente de dados da realidade para construir a sua ficção: os casos de surto de pólio eram reais, os cadeirantes ídem, bem como o hospital de reabilitação. Estes fatos, que dão verossimilhança à trama, vão forjando o enredo da película, que tem na protagonista feminina, seu principal expoente passional, uma montanha-russa de indefinições emocionais.

Co-escrito pela cineasta e por Collier Young, o roteiro opta por aquela velha circularidade em que o final se conecta imediatamente com o começo e por isso oferece uma sensação de completude. Vejo muito claramente que toda a intensidade dramática fica à cargo de Sally Forrest, que tenho as minhas dúvidas se gostei ou não da sua presença. Gosto de melodramas, mas aqui algo me parece fora do lugar, com motivações débeis, reações desagradáveis e um toque de frivolidade no desenvolvimento da personalidade da heroína Carol Williams. Aquela cena da visita médica, em que, num quarto de hospital, ele a pergunta, após uma consulta de rotina, se quer a porta aberta ou fechada, então o responde dizendo para deixá-la aberta e imediatamente começa a chorar aos prantos, me deixa incomodado em um nível absurdo. O paciente que a vê chorando estava correto em dar uma dura dizendo que “se você quisesse se desesperar era melhor que fechasse a porta”. 

De certo que algumas cenas ganham relevo, como a dança dos pacientes em situação de cadeira de rodas, algumas conversas a respeito do porquê Carol abandona Guy e o take final em que ela sai do hospital e o reencontra, mas nada que seja tão relevante dentro do todo. Novamente, Ida Lupino coloca luz sobre uma protagonista feminina forte, destemida em suas decisões e certamente à frente de seu tempo – o que é imediatamente um aspecto positivo neste caso. Me pergunto a esta altura: estaria Lupino à procura de sua personagem ideal? 

Bom, na interpretação geral, talvez a proposta da cineasta seja menos criar um grande drama como fizera em Mãe Solteira do que dar relevo a uma temática social em voga, isto é, o problema de saúde pública causado pela poliomielite. Aí, ela utiliza do tema para dar vazão sentimental e fazer um mediano estudo de um personagem que é afetado pela doença, passeando pelas instabilidades psicológicas geradas pela própria instabilidade da condição física. É isso que está lá em Quem Ama Não Teme, mas é fraco e pouco comove.

Esta película visivelmente tem uma finalidade própria e parece querer transmitir uma mensagem de esperança e conforto dizendo que não é o fim do mundo e que as coisas podem melhorar – até por isso se vale de pequenas frases no início e final do filme como armas retóricas para atingir o espectador. Enfim é creditado a Ida Lupino a posição de diretora, coisa que ela havia abdicado em Not Wanted, colocando em destaque a sua produtora The Filmmakers. 

Percebe-se em resumo que Quem Ama Não Teme é um drama água com açúcar de fácil assimilação em que você encontra um núcleo de enredo marcado por um acontecimento simples mas capaz de oferecer motivos plausíveis para o desenrolar do enredo sem prejuízos para a lógica fílmica, mas em compensação recebemos como resultado do todo uma película menor em densidade, personagem, estória e demais aspectos compositivos, ganhando relevo mesmo apenas pela sociologia da trama, como diria Bazin – e se ampara aí para fazer acontecer. 

Quem Ama Não Teme (Never Fear, EUA, 1950)
Direção: Ida Lupino
Roteiro: Collier Young, Ida Lupino
Elenco: Sally Forrest, Keefe Brasselle, Hugh O’Brian, Eve Miller, Lawrence Dobkin, Rita Lupino, Herb Butterfield, Kevin O’Morrison, Stanley Waxman, Jerry Hausner
Duração: 82 min.

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