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Crítica | Winchester ’73

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

As negociações para a produção de Winchester ’73 começaram em 1949 e desde o início já tinha um diretor designado para dirigi-lo: Fritz Lang. O cineasta chegou a fazer as preparações para o longa no início de 1950 mas acabou desistindo do projeto porque a Universal International Pictures não queria que ele também fosse co-produtor, através de sua empresa Diana Productions Company (pela qual já havia feito Almas Perversas e O Segredo da Porta Fechada).

Com a cadeira vaga e um bom roteiro em mãos, o estúdio achou que seria interessante aceitar a indicação dada pelo ator James Stewart e contratar Anthony Mann para ocupá-la. Embora não tivesse o peso de Fritz Lang, Mann vinha trilhando um caminho notável no cinema noir e, em 1949, fizera para a MGM dois bons longas do gênero, Pecado Sem Mácula e Mercado Humano. Parecia uma aposta arriscada, mas como Mann não tinha problemas com prazos e nem estourava orçamentos, o máximo que o estúdio poderia ter em mãos era um filme sombrio e denso (nesse caso, um western), mais ou menos na linha dos longas que o cineasta mais se destacara até o momento.

E dessa vez os executivos estavam certos.

Ao assumir a direção de Winchester ’73, Anthony Mann pediu para que o roteirista Borden Chase reescrevesse o texto já interessante de Robert L. Richards, mudando o foco que Fritz Lang pretendia dar ao filme. Para o diretor alemão, a abordagem ia pelo caminho da fatalidade de um homem só. O rifle Winchester modelo 1873 pertenceria a um único dono (James Stewart, que só aceitou fazer o filme depois de um acordo arranjado por seu empresário Lew Wasserman para que ele tivesse parte dos lucros de bilheteria desse western e do longa Meu Amigo Harvey), posse que defenderia como se fosse sua vida — uma relação de fato muito densa, mas não na dimensão que viria a ser a segunda versão do texto.

O filme de Anthony Mann adota a linha da “arma de muitos donos” e por isso mesmo a fita ganha uma concepção episódica, algo que poderia ser sua perdição por expor-se claramente a possíveis incoerências e má ligação entre os blocos, algo que jamais lhe acontece. Os problemas do filme estão mais em detalhes incoerentes da direção de arte e um ou outro clichê ou estranha escolha do roteiro do que na ligação entre cada “pequena grande história” envolvendo os donos da arma, todas elas perpassadas pela trilha de Lin McAdam e seu amigo High Spade em busca do tal objeto que, nesse ponto, assume de maneira refigurada aquilo que Robert L. Richards e Fritz Lang puseram na primeira versão.

James Stewart é a chave de ouro do filme, dando notável vida ao personagem que marcaria um novo parâmetro para o homem do oeste, atormentado por eventos de seu passado e em vias conseguir sua almejada vingança. Essa linha, aliás, será adotada por Mann no cerne ou em momentos específicos de seus westerns seguintes, especialmente os outros quatro que faria com James Stewart.

A exploração precisa da paisagem já se apresenta aqui com perfeição, sendo o elemento usado pelo diretor para compor uma imagem ‘road’ de sua história e ligar as vidas dos donos do rifle, estando cada um deles em um espaços distantes que se afunilam para o ponto familiar à la Caim e Abel, com direito a sequência final num espaço geográfico e composição que alude a Duelo ao Sol e que com este filme também compartilha o enredo dos irmãos inimigos.

Talvez o diretor não tivesse muitas esperanças de que um dia voltasse a dirigir westerns, por isso resolveu colocar o maior número de elementos possíveis do gênero em Winchester ’73, submetendo quase todos a um novo olhar – eis o que faz deste filme uma obra muito importante. Assim, temos um cenário com Dodge City em 1876; xerife Wyatt Earp; índios, tiroteios, disputa de pontaria, dois bandos de foras da lei, cavalaria, pôquer, saloons… Toda essa horda de elementos nos é apresentada no Dia da Independência dos Estados Unidos, onde vemos se misturar tempos e personagens históricos, um charme particular que dá ao longa uma veia mitológica própria.

Gostaria apenas de chamar atenção para o Wyatt Earp interpretado por Will Geer. Acredito ser unânime a opinião de que a versão do famoso xerife vivida pelo ator é uma das menos simpáticas e mais insossas já vistas. Mas é crucial que tenhamos em mente a intenção de Anthony Mann em mostrar as lendas de uma outra forma, não rompendo de maneira violenta com o cânone do western mas mostrando um de seus maiores símbolos mais como um padeiro bonachão do que como um dos maiores pistoleiros e homens da lei que já viveram nos Estados Unidos.

Winchester ’73 é uma obra seminal. Ela está entre os primeiros westerns a jogar com a problemática identidade pregressa do cowboy ou pistoleiro e de como essa situação do passado afeta negativamente sua vida atual. Além disso, o próprio personagem é visto de uma outra forma, mais pessimista e egoísta, sem o grande louvor e senso de heroísmo a que estava acostumado. Anthony Mann dava um passo decisivo para a criação de um degrau que durante toda a década de 1950 se transformaria na escada que sepultaria o western clássico em seu topo e deixaria aberta a porta para o revisionismo em todas as suas facetas a partir dos anos 60. Winchester ’73 pode não ser uma obra prima absoluta, mas com certeza é um western essencial (e obrigatório!) para quem quer entender as mudanças estéticas, formais e temáticas do gênero.

Winchester ’73 (EUA, 1950)
Direção:
Anthony Mann
Roteiro: Robert L. Richards, Borden Chase (baseado na obra de Stuart N. Lake)
Elenco: James Stewart, Shelley Winters, Dan Duryea, Stephen McNally, Millard Mitchell, Charles Drake, John McIntire, Will Geer, Jay C. Flippen, Rock Hudson, John Alexander, Tony Curtis
Duração: 92 min.

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