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Crítica | “Barulho” – Midian Nascimento

por Davi Lima
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Unindo a caminhada de crescimento da empresa nordestina Coletivo Candiero, forjando arte cristã na música de maneira independente, e a estreia musical nas plataformas musicais da criativa Midian Nascimento, o álbum Barulho entrega o beijo do mar com a praia como um aprendizado impactante, sereno em dizer algo sobre mulheres nordestinas e barulhento em vocalizar pelo espaço da areia pronta para ser desenhada. Com um “oi” sambando e um puxão de orelha nos homens, Midian encontra a espiritualidade nordestina e feminina em testemunhos de caminhadas de mulheres pela praia da transformação.

Além da voz muito reconhecível em identidade, logo no primeiro disco, e das variações verbais que engajam a música e a letra como um uníssono, Midian Nascimento parece estar viva fora do script de acompanhar a composição sonora de Filipe da Guia, participante também da banda Calmará, e de seguir a risca uma letra pré-escrita. O Barulho nomeado no álbum é tanto a forma musical que a cantora assume como uma dança que o ouvinte não ver, mas escuta, como um chamamento em suas multiformidades. 

Se no começo o céu “luarado” rasga pela fé que se fez canção, como descreve a abertura O Barulho Sutil do Sereno, imbuída pelo som de tambores e um instrumento de corda bem tensionado, como um chamado claro de teor sobrenatural, em “Oi, Oi” o samba convoca alguém a ouvir o eu lírico, dimensionando o espaço brasileiro como dádiva do jeitinho que é para ouvir o barulho que a arte de Midian vai ecoar. Mas de nada adianta apenas o espaço e o espírito sem pessoas, como é descrito em Gênesis no Criacionismo antes que Deus fizesse luz. Por isso as mulheres existem como receptoras e co-participantes, dando forma ao chamado em todas dimensões do álbum, e ditando a variação das faixas pela pluralidade de vivência feminina no espaço brasileiro num chamado espiritual para caminhar na beira da praia nacional e nordestina.

Como a espiritualidade não anula o material, evidenciado pelo espaço musicalizado com o samba da versão do hino nacional do Brasil no final de Oi, Oi, a música de chamado mais enfática e animada com título característico de apresentação, para se compreender o efeito de transformação advindo de um conselho é preciso conhecer o drama. Assim, antes de “barulhentar” uma palavra de consequência serena na animada canção Esses Pés, a Choro de Sertânia mostra o lamento calado e solitário da mulher trabalhadora no sertão. Com um álbum que insiste em dar voz ao que toca com a melodia, essa faixa dá uma pausa narrativa com leveza, sem descaracterizar a fluidez marítima que sonoriza o uníssono já citado entre a voz de Midian e a melodia, dando voz melódica, sem letra, ao final da faixa como um trisco esperançoso, como um ar fresco que surge do vento secando as roupas no varal. Mas voltando a Esses Pés, após chamar um lamento, esse mesmo lamento é sequenciado por um conselho de amiga a uma mulher sem rumo na praia após levar um tombo emocional. O drama se torna contagia de uma dança de incentivo a essa mesma mulher amadurecer e crescer, assim como a areia frágil se fortifica no refrão de Castelo de Areia com a participação da serena voz de Juliana Tavares, que na repetição da letra crê com muita fé que nem o mar nem o vento vai derrubar o castelo de areia por um chamado sobrenatural de Deus.

Compreendido esse espaço arenoso, praieiro e plausível de tracejar bons caminhos espirituais de aprendizado, o chamado pelo encontro da eu lírico alcança uma cartografia do passado, em que evoca-se o rastro barulhento da memória que foi transformada. Dá-se um sentido inicial à serenidade aprendida e cantada para e sobre as mulheres das faixas anteriores. Se antes falava-se das receptoras, a eu lírico volta-se para sua história de encontro com Deus, citando até Belém do Pará como uma rima biográfica na faixa Marat Sá. Num forró de achado, em que o barulho louva a mulher que se acha em meio a tantas voltas, Midian Nascimento finca a transformação antes de terminar o álbum. Mas como uma boa arte surpreendente a rachadura “barulhizada” com um reco reco e um tambor bem ritmado, o impacto do beijo com a praia é preparado com a curta e ferina faixa Gabriela (Rachadura). Após o elogio ao encontro nos caminhos espirituais da areia, os instrumentos altos parecem esfacelar a esperança, crescendo o orgulho da fuga e do comodismo, um reverso total ao aprendizado de uma transformação.

Mas como já diria Priscilla Alcântara, ou a boa sabedoria de quem conhece a arte de uma boa narrativa, “O primeiro capítulo só faz sentido se você chegar até o final da história”. Nos últimos dez segundos, num limiar explosivo de uma escolha revelativa, Midian entrega o cimento que cura a rachadura na humildade cristã que diz: eu sou mesmo o mal de mim. Me perdi, vem cá me achar. Com um chamado final para as receptoras se alertarem, com a fé feita canção em um sereno castelo de areia sustentado pelo sobrenatural, o álbum Barulho dá o ato final um puxão de orelha de transformação, agora para o homem também, colocando “psiu” e “ei” num blues da sororidade que dar adeus depois de pedir atenção com um Oi, Oi do samba. 

É um ensaio completo e animado para mulheres que foram feitas por um Criador para correr e dançar na praia em liberdade. Esse é o barulho espiritual, espacial e material da verdade de Midian Nascimento, como diz a letra de Alecrim (Sororiblues) pausada na melodia para tal discurso: ela disse que ninguém mais vai usar a Santa Bíblia do seu Deus para transformar ela numa boneca plastificada, sem vida e sem som. Ela riu, fez e falou tudo. Tudo que sempre quis.

Aumenta!: Marat Sá
Diminui!: –
Minha Canção Favorita do Álbum: Gabriela (Rachadura)

Barulho
Artista: Midian Nascimento
País: Brasil
Lançamento: 15 de Dezembro de 2020
Gravadora: Coletivo Candiero
Estilo: Nordestino

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