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Crítica | The White Lotus – 2ª Temporada

Diluindo a singularidade da série.

por Ritter Fan
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  • spoilers.

Big Little Lies, a última obra inicialmente concebida como minissérie que eu vi e que ganhou status de série em razão de seu sucesso e que também foi produzida pela HBO, foi uma enorme decepção e isso me deixou ressabiado quando a segunda temporada de The White Lotus foi anunciada, mesmo que, pela natureza da criação de Mike White, o formato de antologia tenha sido adotado. Na primeira temporada, passada em um resort no Havaí, o showrunner usou a ótima premissa da série, que talvez possa ser resumida como “confinamento luxuosamente decadente” para contar uma série de histórias repletas de críticas socioeconômicas entrelaçadas por um whodunit que, mesmo desnecessário, não atrapalhou sua fluidez. A segunda temporada conta com exatamente a mesma estrutura, só que em outra localidade e com a troca de quase todo o elenco, mas infelizmente trazendo mais do que que não precisava trazer e menos do que precisava trazer.

O mais evidente exemplo do que escrevi logo acima encontra-se na beleza paradisíaca de Taormina, cidade para onde o novo grupo de hóspedes viaja. Sim, o local é estupendamente lindo, como a câmera de Mike White não nos deixa duvidar por um segundo. No entanto, o Havaí também é lindíssimo, mas, na primeira temporada, White fez questão absoluta de não usar as características geográficas do lugar ou mesmo do hotel justamente para focar suas lentes nas histórias e nos personagens. Nós sabemos que todos estão ali no paraíso, e isso é importante psicológica e narrativamente, mas a sujeira moral de cada um dos super ricos que protagonizam a temporada suga toda a beleza e o que resta é quase genérico, uma maneira inteligente de comentar visualmente aquilo que porventura não ficasse evidente já de início.

Na segunda temporada, a beleza natural da Sicília e também a artificial do hotel é destaque, com os personagens inclusive viajando para outros locais da ilha italiana. Sei que muita gente indagará “qual é o problema disso?” e minha resposta é muito simples: nenhum, se essa abordagem não existisse para preencher um tremendo vazio de roteiro que está presente em todos os núcleos de personagens, como se White tivesse esquecido o que tornou sua ex-minissérie em algo diferente de verdade. Como nenhum impulso artístico está imune ao vil metal – até porque quem realmente decide para onde vai o dinheiro é a produtora – chego até a desconfiar que a escolha de se realçar o visual veio como um mandamento de cima para baixo pela rede hoteleira escolhida para sediar as temporadas (quem não sabe, tanto o hotel do Havaí quanto o de Taormina são Four Seasons) como parte de um acordo com condições financeiras boas para todas as partes envolvidas, o que reduz The White Lotus a uma peça publicitária…

Outro exemplo do que a segunda temporada tem demais e que não precisava ter é o aspecto whodunit causado pela descoberta de um corpo flutuando no Mar Jônico que, não demora nada, nos é informado via diálogo que é um de vários outros corpos. Ser mais de uma morte já é um sintoma de se levantar a sobrancelha, mas, quando esse elemento narrativo passa a ser toda a razão de ser do núcleo de Tanya McQuoid-Hunt (Jennifer Coolidge retorna a seu papel da primeira temporada), a coisa descamba de vez para um mistério banal – com elementos de guia de turismo, com o deslocamento da ação para Palermo – e não para algo que realmente traga algum tipo de substância real para a série.

E, talvez respondendo às críticas de alguns sobre a primeira temporada, White dá mais foco aos locais, criando papeis para um pequeno elenco italiano encabeçado por Valentina (Sabrina Impacciatore), gerente do hotel que relutam em sair do armário e por Lucia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Grannò), amigas prostitutas que circulam pelo hotel e, de certa forma, fazem a ponte narrativa entre alguns dos hóspedes focados pela temporada. No entanto, mesmo esse esforço de integrar a história a personagens locais não funciona muito bem, pois nenhuma das três personagens – e também os demais que são satélites a elas, como os concierges e o pianista – realmente parecem mais do inclusões tardias no elenco que não existem como Armond (Murray Bartlett) existia na temporada anterior, mas sim, apenas, para dar um ar artificialmente italiano a uma temporada que se passa na Itália.

Mas isso quer dizer que a segunda temporada é fraca? Não exatamente, mas é quase isso.

Apesar de o núcleo de Tanya, que inclui inicialmente seu agora marido Greg Hunt (Jon Gries, o único outro ator a repetir seu papel da primeira temporada) e sua jovem assistente pessoal perdida e rabugenta Portia (Haley Lu Richardson), é interessante no início, quando o bon vivant Quentin (Tom Hollander excelente no papel) e seus amigos entram na história, levando-a a trilhar um caminho mais Agatha Christie, mas sem nada do charme da escritora britânica, a coisa desanda quase que completamente, com um final tonalmente muito errado. É como ver duas temporadas em uma, em que nesse pedaço, toda a preocupação é chocar, sem trazer a reboque um mínimo de conteúdo decente.

A coisa melhora um pouco no núcleo masculino e de três gerações da família Di Grasso: o avô Bert (F. Murray Abraham, outro destaque da temporada), o filho Dominic (Michael Imperioli aparentemente ainda vivendo seu Christopher Moltisanti, de Família Soprano) e o neto Albie (Adam DiMarco). Eles estão ali para tentar investigar as raízes de sua família, algo que o roteiro só se digna a fazer lá para a frente e, mesmo assim, de maneira tão simplista que era melhor nem terem inventado essa desculpa), com Bert e Dominic deixando evidente, logo de início, que são “homens da velha geração”, daqueles que acham que as mulheres existem para serem os objetos de seus desejos e Dominic tentando mal e porcamente lutar contra seu vício em sexo e o que ele gerou em seu casamento, com Albie sendo o estereotipado exato oposto – que precisa dizer diversas vezes que é o exato oposto – a ponto de ele ser enganado por Lucia e até mesmo rejeitado por Portia, que o acha “bonzinho demais”.

O terceiro, último e melhor núcleo de hóspedes é formado por dois casais. Temos, de um lado, Daphne (Meghann Fahy) e Cameron Sullivan (Theo James), respectivamente dona de casa e gerente de fortunas, e, do outro, Harper (Aubrey Plaza facilmente a melhor do elenco não veterano da temporada) e Ethan Spiller (Will Sharpe), respectivamente advogada e recém-milionário empresário do setor de tecnologia. O que funciona na dinâmica entre os casais é, em primeiro lugar, o elenco muito bem escolhido que captura à perfeição o que é exigido pelo roteiro, ou seja, uma sutileza de intenções que, aos poucos – bem aos poucos – vai deixando de ser sutil. Enquanto Daphne e Cameron posam de casal perfeito – lindos, ricos, com filhos e ainda apaixonados -, Harper e Ethan são a encarnação do casal cínico, que duvida da intenção dos Sullivans, com Harper sendo de longe a mais vocal sobre tudo e não tendo a menor paciência com o exterior imaculado de seus “amigos” e fazendo tudo o que pode para escavar os podres, sem perceber que esse processo leva a si própria a forçar uma revisão de seu casamento.

Os Sullivans e os Spillers são o coração e a razão de existir da temporada. Não há nada preto e branco com eles como é o caso dos demais núcleos e o desenvolvimento a conta gotas de seu relacionamento – ecoado pelas diversas estátuas “Cabeças de Mourisco” com uma história de traição e inveja por trás – é muito bem cadenciado, sem que nada pareça ou artificial ou corrido. A obsessão de Harper, que Aubrey Plaza incorpora em incrementos a seu personagem é algo magnífico de se ver, assim como é o lento processo de rachadura da imagem perfeita dos Sullivans, valendo destaque para a performance sutil de Meghann Fahy que imprime uma qualidade manipuladora e muito inteligente à Daphne.

Infelizmente, porém, com um de três núcleos realmente funcionando – e funcionando muito bem! – e todos os coadjuvantes locais vivendo não mais do que estereótipos mal desenvolvidos, a segunda temporada The White Lotus revela-se como muito distante qualitativamente da original, demonstrando que a ex-minissérie deveria ter permanecido como minissérie. Nem sempre aquilo que faz sucesso precisa ser perenizado dessa forma e, ao continuar, Mike White arrisca que a singularidade da obra que criou seja diluída em histórias que não acrescentam em muita coisa.

The White Lotus – 2ª Temporada (EUA, 30 de outubro a 11 de dezembro de 2022)
Criação: Mike White
Direção: Mike White
Roteiro: Mike White
Elenco: F. Murray Abraham, Jennifer Coolidge, Adam DiMarco, Meghann Fahy, Beatrice Grannò, Jon Gries, Tom Hollander, Sabrina Impacciatore, Michael Imperioli, Theo James, Aubrey Plaza, Haley Lu Richardson, Will Sharpe, Simona Tabasco, Leo Woodall, Federico Ferrante, Eleonora Romandini, Federico Scribani Rossi, Francesco Zecca, Paolo Camilli, Bruno Gouery, Laura Dern
Duração: 353 min. (sete episódios)

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