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Crítica | Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial

Powerpoint nostálgico.

por Kevin Rick
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Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial é mais um fruto cinematográfico da recente onda de filmes semi-autobiográficos de cineastas, com grande foco no período, contexto histórico, espaço geográfico e modo de vida que os idealizadores cresceram, vide RomaBelfastA Mão de Deus e o vindouro The Fabelmans, de Steven Spielberg. Independente da abordagem formal e narrativa de seus respectivos diretores, obras assim carregam em comum um olhar extremamente pessoal do artista. Por isso, é meio difícil definir a linha entre narcisismo e nostalgia que acompanham esses tipos de filmes, e principalmente onde mora a verdadeira qualidade da obra enquanto experiência cinematográfica e não “apenas” como um recorte de memórias.

Com esta película em especial, a linha é ainda mais tênue, pois a mão artística do diretor Richard Linklater sempre esteve vinculada à nostalgia, como, por exemplo, o clássico Jovens, Loucos Rebeldes, e sua sequência “espiritual”, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes. O cineasta tem uma abordagem enganosamente simplória com premissas básicas e narrativas, digamos, rotineiras, mas Linklater nutre seus filmes nostálgicos com muita paixão e naturalidade em seus diferentes retratos realistas, brincando com arquétipos, cenários da cultura pop, e histórias sobre o dia-a-dia em diferentes recortes temporais e sociais.

A palavra que estou procurando é “honestidade”; Linklater é sempre honesto em sua nostalgia. Aqui em Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial, o autor faz algo semelhantemente sincero na história de Stan (sua versão semi-autobiográfica), um aluno da quarta série que é puxado para uma missão ultra-secreta da NASA, na qual o jovem de 10 anos e meio é recrutado por dois agentes do governo para se tornar um astronauta, indo à Lua antes do Apollo 11. Meio absurdo, não é mesmo? Completamente, assim como a imaginação de uma criança.

Linklater se aproveita do tom “fabulista”, como o próprio personagem diz, para criar uma sensação mais infantilmente extraordinária com o retrato dos anos 60 em Houston, Texas, sentimento enfatizado pelo retorno do diretor às técnicas de rotoscopia que criam um cenário realista com o aspecto de live-action, mas que ao mesmo tempo soa como uma fantasia suburbana com os visuais coloridos e quentes da animação, e também com a narrativa que reinterpreta a chegada à Lua como um conto de ficção científica infantil.

Interessante como o tom absurdo é apenas a camada superficial de uma história que gradualmente se torna um retrato da vida americana no final dos anos 1960, com pequenas inserções políticas e uma visão ampla do fascínio (e críticas) à corrida espacial, mas especialmente uma história sobre o crescimento de Stan ao redor da cultura pop e a explosão de popularidade de shows de televisão; jogos com familiares e amigos; rotina escolar e doméstica; inovações tecnológicas; e dinâmicas sociais de uma criança neste período, que gostava de jogar fliperama e ler revistas da MAD. Tanto a distribuição do roteiro quanto a ótima montagem fazem um vai-e-vem singelo sobre experiências e percepções que moldaram Stan, e consequentemente Linklater no artista e na pessoa que é hoje.

Também é importante notar como o filme é menos um “coming-of-age“, no sentido comum do subgênero enquanto uma história de amadurecimento em meio à conflitos adolescentes, e mais uma aproximação de um grande retrato espontâneo de como foi crescer no período em questão. Acho uma ótima escolha de Linklater, mas isso me leva ao grande problema de Apollo 10 e Meio: sua estrutura em narração. Praticamente todo o filme é narrado por uma versão adulta de Stan (Jack Black), transformando a narrativa em um tipo de documentário ficcional, passando por eventos e situações sem nunca nos envolver na história de maneira fluida ou imersiva. O intuito de Linklater parece ser a criação de uma espécie de filme-ensaio com sua grande dieta de pessoalidade e doses de ternura, mas a obra se torna uma morosa e verborrágica apresentação de slides nostálgicos e contextualizações do período.

Como eu disse antes, Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial é um filme honesto. Dá para sentir isso assistindo. Mas eu diria que em sua sinceridade, o cineasta não é necessariamente natural, criando uma obra mais verbal do que orgânica. Uma execução mais informacional do que cinematográfica, o que detrai bastante da nossa conexão emocional com a história de Stan e seu pequeno milagre espacial. O diretor Richard Linklater sempre teve uma qualidade genial para tornar a audiência nostálgica por momentos não vivenciados, e é possível sentir elementos disso ao longo de Apollo 10 e Meio, mas o filme, mesmo que por caminhos diferentes, acaba se tornando outro exemplar de algumas das obras semi-autobiográficas citadas no começo da crítica: esteticamente encantador, mas essencialmente vazio e esquecível.

Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial (Apollo 10 1⁄2: A Space Age Childhood) – EUA, 1º de abril de 2022
Direção:
 Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater
Elenco: Glen Powell, Zachary Levi, Jack Black
Duração: 98 min.

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