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Crítica | Coral de Tóquio

por Luiz Santiago
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Quatro anos de carreira. Vinte e dois filmes, sendo este Coral de Tóquio (1931) o vigésimo segundo. Isto foi o que “demorou” para que o diretor Yasujiro Ozu chegasse a um patamar onde pudéssemos traçar uma linha e dizer: aqui é a ponte da maturidade para o diretor, o filme que o faz passar de suas primeiras e experimentais produções (no sentido de gêneros e narrativas) para um conjunto de características cinematográficas que normalmente atribuímos a ele, em suas obras-primas. E tudo bem que sua forma de contar histórias passaria por outra grande mudança, no pós-Segunda Guerra, mas esta mudança estaria mais ligada ao tipo de temáticas escolhidas do que à sua maneira de filmar. O ponto sem retorno está aqui, nessa simpática produção de 1931, cujo título não faz exatamente muito sentido em relação ao principal assunto da fita, mas há uma relação simbólica e tardia que justifique o tal “Coral de Tóquio“.

É muitíssimo curioso observar que o primeiro sinal de mudança no diretor aconteceu em A Mulher Daquela Noite (1930), obra que trazia um casal enfrentando graves problemas financeiros e tendo uma filha doente para tratar. Pois a mesma dupla de atores que interpretou o casal no filme de 1930 (Tokihiko Okada e Emiko Yagumo) volta aqui, também como um casal enfrentando problemas financeiros e, em algum ponto da narrativa, também com uma filha doente para tratar. Essas coincidências que, talvez, em outra filmografia, fossem apenas algo chateante, tornam-se aqui um dado curioso e o motivo para um sorriso de cumplicidade do espectador. Isso porque Coral de Tóquio é estilisticamente tão diferente de A Mulher Daquela Noite, que até apreciamos ver essas similaridades, agora sob um ponto de vista cinematográfico mais elegante.

Por se tratar de um filme-ponte, Coral de Tóquio é também um interessante laboratório de testes finais do diretor, onde ele ajusta técnicas de filmagem e tipos de comédia ou drama para contar essa história que, em uma frase simples, recusa o enquadramento num único gênero. No início, temos uma comédia aberta numa cena estudantil, cenário recorrente nos primeiros anos do cineasta (Dias de JuventudeFui Reprovado, Mas…), momento em que a comédia física ganha espaço e as brincadeiras dos estudantes em relação ao seu professor parecem ser o prenúncio de mais uma película sobre como alunos parecem ser iguais em qualquer lugar do mundo. Mas aí vem a grande surpresa. E essa surpresa é algo que pode ser visto de duas formas, uma como uma boa sacada para introduzir a personalidade do protagonista e outra como um início que perde tempo mostrando algo que nem será o verdadeiro tema do filme.

Eu faço parte do primeiro grupo. Penso que o texto de Kôgo Noda faz um ótimo uso da comédia total no primeiro momento e acerta no pulo de alguns anos para o futuro. Não acho que essa ‘introdução estudantil’ seja uma perda de tempo porque temos a apresentação muito bem feita de Shinji e do sensei Omura, relação que será retomada pelo roteiro bem mais adiante. E ainda é válido dizer que a personalidade de Shinji é desenvolvida a partir deste ponto, vide a rejeição ou “respeitoso desprezo” dele à autoridade do professor, pensamento que, no futuro, acabaria direcionado ao chefe. Em torno disso também temos os pilares de honra e respeito para o personagem e sua esposa, ambos preocupados com as contas para pagar, com o desemprego de Shinji e com o que eles precisam fazer para se adaptarem à vida com pouquíssimo dinheiro, já que arrumar trabalho está praticamente impossível. Entre momentos de comédia, melodrama e drama o diretor consegue nos passar distintos pontos de vista para a mesma questão, seja no núcleo familiar, seja nas relações próximas ao casal que, de certa forma, moldam um pouco este novo momento de suas vidas.

Com a câmera mais fixa, cada vez mais próxima ao tatame (marca registrada do diretor), muitos closes e personagens engrandecidos pelos ângulos, Ozu refina a sua direção, sua composição dos quadros e sua maneira de relacionar objetos da casa, paisagens e pontos arquitetônicos com o cotidiano do casal e seus três filhos. Há uma tocante cena em que os pais estão brincando com os filhos e, enquanto as crianças batem palma e cantam alegremente, os adultos forçam um doloroso sorriso e passam a maior parte do tempo contritos, preocupados, desalentados pela situação financeira em que se encontram. Aí impera a serenidade com que a direção guia os atores e como a obra consegue fugir dos clichês para mostrar uma história de sacrifícios comuns feitos por pais e mães ao redor do mundo, sempre buscando o melhor para seus filhos.

Mesmo com o ato final um tantinho deslocado em fluidez narrativa — sem contar que o filme poderia ser um pouco menor se algumas cenas entre professor e antigo aluno fossem encurtadas ou cortadas — Coral de Tóquio é uma produção realmente admirável da fase inicial de Yasujiro Ozu. Um filme-formatura para cineasta, agora com praticamente todas as suas marcas estilísticas amadurecidas, prontas para firmar o seu nome na História do Cinema.

Coral de Tóquio (Tôkyô no kôrasu) — Japão, 1931
Direção: Yasujiro Ozu
Roteiro: Kôgo Noda (baseado em uma história própria, ao lado de Komatsu Kitamura)
Elenco: Tokihiko Okada, Emiko Yagumo, Hideo Sugawara, Hideko TakamineTatsuo Saitô, Chôko Iida, Takeshi Sakamoto, Reikô Tani, Ken’ichi Miyajima, Isamu Yamaguchi
Duração: 90 min.

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