Home TVEpisódio Crítica | Doctor Who – Série Clássica: The Happiness Patrol (Arco #149)

Crítica | Doctor Who – Série Clássica: The Happiness Patrol (Arco #149)

por Luiz Santiago
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PLANO CRITICO DOCTOR WHO THE HAPINESS PATROL

Equipe: 7º Doutor, Ace
Espaço: Terra Alpha
Tempo: 2388

Ser obrigado a ser feliz é certamente uma das grandes maldições que pode cair sobe alguém, algo que tem íntima relação com outra maldição (a meu ver), que é a imortalidade (eu sei, eu sei, alguns de vocês podem considerar a imortalidade uma benção, palavra que eu jamais atribuiria à esta condição… mas podemos conversar sobre isso nos comentários). Nos dois casos, o oposto do estágio padronizado (ou seja, a tristeza e a morte) é que são âncoras de sentimento e perspectiva de vida, ajudam a dar corpo a ideias a longo prazo, atos, sonhos e planos; ajudam a dar um senso de completude do existir e, principalmente, a sensação de gozo pleno quando algo muito bom acontece, justamente pelo fato de se saber que existe um estágio diferente e que se deve aproveitar ao máximo esses momentos de felicidade. E claro, a vida. Eu poderia seguir por um caminho mais filosófico nesse sentido, mas vocês que já viram o arco entenderam bem onde quero chegar.

Ressalto aqui que se você é obrigado a seguir um determinado padrão social (como ser feliz o tempo todo, por exemplo) apenas para não ser punido, sua vida só pode ser um misto de amargura reprimida com esforço inútil para marcar vontades internas, todos os dias, todos os anos (a Nova Série visitou este conceito no episódio Smile). Imaginem o tormento de se viver assim, mesmo que o indivíduo faça de tudo para não demonstrar. Esta é a sensação que as soldadas da Patrulha da Felicidade me passaram o tempo inteiro neste arco que, por incrível que pareça — ou talvez não tão incrível assim, ao menos para quem de fato estudou ou analisou o governo de Margaret Thatcher no Reino Unido — é uma alegoria ao thatcherismo.

Não era a primeira vez que Doctor Who criticava o longo período em que a Dama de Ferro exerceu o cargo de Primeira Ministra, e aqui, a personagem de Helen A (as letras-sobrenome dessa sociedade são, na verdade, o status social da pessoa — a não ser que ela fosse alienígena, porque daí recebia a classificação de “Sigma”) é quem incorpora uma representação mais pontual da política mais poderosa do século XX. Junto do Kandyman, Helen A personifica a face de uma sociedade que resolveu abolir a tristeza e tornar todos alegres, penalizando aqueles que insistem em ser tristes, cantar músicas melancólicas ou falar de desgraças em público. Evidente que isto é também uma estratégia política utilizada por muitos governos, inclusive os “democráticos”, que perseguem, coagem e punem aqueles que falam mal da administração e dos administradores. Afinal, se não tem ninguém para falar mal… então tudo vai muito bem, não é mesmo?

Isto é o que me chamou a atenção aqui. Por mais que o roteiro tropece em armadilhas de concepção (exceto os blocos de apresentação de Earl Sigma, todos os outros em que ele aparece com sua gaita me soaram vazios e cansativos) e de trabalho com tramas paralelas (o povo que vivia nos tubos carrega a mais fraca e insatisfatória retratação no todo do arco), a história tem uma excelente forma de tratar a desobediência civil, o abuso de poder e a forma como determinadas forças sadistas nos bastidores do governo continuam agindo, satisfazendo os desejos de governantes com propostas insanas de como as pessoas devem ou não devem viver. Esqueçam as liberdades individuais. Neste cenário, ser igual a todo mundo (feliz!) é a palavra de ordem. É a versão bonita e natural. O que for diferente é considerado abominável e deve ser perseguido e destruído. Não é à toa que muita gente interpreta o arco também como uma alegoria à perseguição aos homossexuais.

E sim, todo este ambiente também vale para nós hoje em dia. Basta olhar para os projetos de lei que pisoteiam liberdades individuais que a gente claramente vê um Kandyman em boa parte dos deputados fazendo os “capturados” provarem o doce (ações governistas que parecem boas para todos, feitas sob a égide da democracia), mas que fazem mesmo é matar. Aqui, Sylvester McCoy parece seguir um protocolo de alguém que sabe um segredo e que tem algo muito importante para fazer ou dizer, mas está esperando o momento certo. O Doutor nesse ambiente nos parece gentilmente deslocado e ao mesmo tempo feliz e engajado. Como se ele quisesse muito estar ali justamente pelo motivo que fazia aquele lugar que exigia a felicidade ser… ora ora ora, tão triste. Isso é até levantado em um plano engraçado que ele engendra com Ace no início. Ao longo da história a companion tem uma participação simples, mas nunca com aparência de “só demos isso aqui para você fazer alguma coisa enquanto o Doutor cuida do principal“. Aliás, este é um ponto muito bom que pode ser observado nesta Era do 7º Doutor, a colocação cada vez mais interessante das companions.

Ver o Doutor falando de seu apelido na Academia (Theta Sigma), a TARDIS sendo pintada de rosa, o excelente desenho de produção e concepção geral para o Kandyman, Ace agindo como uma guerrilheira e uma mudança de estrutura geral de uma sociedade (vocês sentiram ecos de Paradise Towers aqui?) são os grandes atrativos do arco, que garante uma ótima diversão, principalmente se o espectador olhar para o forte aspecto político, social e de Vigiar e Punir que esta colônia terráquea chamada Terra Alpha, no século 24, traz em uma terrível e preocupante imitação de nosso mundo.

The Happiness Patrol (Arco #149) — 25ª Temporada
Direção: Chris Clough
Roteiro: Graeme Curry
Elenco: Sylvester McCoy, Sophie Aldred, Sheila Hancock, Ronald Fraser, Georgina Hale, Rachel Bell, Harold Innocent, John Normington, Lesley Dunlop, Richard D. Sharp, Tim Barker, Jonathan Burn, David John Pope, Mary Healey, Tim Scott, Steve Swinscoe, Mark Carroll, Philip Neve, Ryan Freedman, Annie Hulley
Audiência média: 5,07 milhões
3 episódios (exibidos entre 2 e 16 de novembro de 1988)

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