Home FilmesCríticas Crítica | Indiana Jones e a Relíquia do Destino

Crítica | Indiana Jones e a Relíquia do Destino

A despedida do bom e velho Indy.

por Ritter Fan
10,K views

Mesmo depois de tantas décadas, a trilogia clássica de Indiana Jones continua sendo a epítome dos filmes de aventura, reunindo o que de melhor a Sétima Arte pode oferecer e, melhor ainda, sem que os filmes efetivamente se repitam, já que cada um deles, apesar de seguir uma linha mestra una e bem definida, oferece sabores diferentes a serem degustados. Mas, como Hollywood não deixa nada quieto para sempre, 19 anos depois de Indiana Jones e a Última Cruzada, Harrison Ford voltou a vestir o uniforme e apetrechos de seu inimitável arqueólogo aventureiro em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal que, por ter tentado ser muita coisa ao mesmo tempo, não chegou aos pés do que veio antes, ainda que tenha conseguido oferecer diversão de qualidade. Agora, 15 anos depois, com seu protagonista na casa dos 80 anos, chegamos ao que podemos considerar como sendo uma simpática despedida ao personagem.

Indiana Jones e a Relíquia do Destino retorna à estrutura base da franquia, colocando o personagem titular à caça de uma relíquia de contornos fantásticos, desta feita a Máquina de Anticítera que, no longa, foi inventada por Arquimedes e que, segundo a teoria do nazista Jürgen Voller vivido por Mads Mikkelsen, seria capaz de prever a abertura de fissuras temporais. Em outras palavras, a pegada que eu considero mais ousada – e menos compreendida por aí – de Caveira de Cristal abre espaço para uma abordagem bem menos arriscada, semelhante à outra vez em que Ford retornou a um de seus clássicos personagens para a Disney. O resultado é ao mesmo tempo menos memorável (não há nenhuma sequência como a da “geladeira nuclear”, por exemplo, para ser lembrada para sempre para o bem ou para o mal) e mais Indiana Jones raiz, por assim dizer, o que cria um bom equilíbrio e recompensa a experiência. Aliás, trocando em miúdos, ver Harrison Ford com seus chapéu, chicote e jaqueta de couro novamente, apesar de todos os possíveis pesares, sempre é uma recompensa, não tem jeito.

Mas a grande verdade é que Relíquia do Destino, com suas sequências de ação estilo velha guarda, com muitos efeitos práticos ainda que ajudados pela computação gráfica, não é algo que será absorvido bem pelo público de 2023 que espera planos-sequência frenéticos, com cortes de milissegundos e duração de 20 e tantos minutos com tiros para todo lado e uma contagem de corpos maior do que toda a carreira de John Rambo. E, mesmo àqueles que esperam justamente esse tipo de ação “das antigas”, o que James Mangold entrega é, talvez, trivial demais, muito diferente do que a ação dos três primeiros filmes da série representou para o público dos anos 80. Diria até mesmo que a produção parece presa a uma obrigação que considero equivocada de apelar para a nostalgia. Isso é desnecessário, pois Harrison Ford como Indiana Jones é tudo o que importa nesse departamento. Ele é a nostalgia encarnada e não precisa de mais nada gravitando ao seu redor.

Quando digo que o filme parece preso a essa necessidade de olhar para o passado para dar um adeus para Indy, quero falar de algo que vai muito além das meras referências que são até muito bem salpicadas ao longo da projeção. Meu ponto é que não só a estrutura do longa se apega demais à de Os Caçadores da Arca Perdida, como os próprios novos personagens não são mais do que substitutos dos que vieram antes. O nazista de Mikkelsen, claro, é a amálgama dos vilões do primeiro e terceiro filmes (falo especificamente de René Belloq e de Walter Donovan), enquanto que Basil Shaw (Toby Jones), que é apresentado na sequência inicial que se passa em 1944, não é mais do que uma versão de Henry Jones Sr. (com direito até mesmo a um diário sobre a relíquia pela qual é obcecado!), algo que inclusive já fora tentado com o personagem de John Hurt em Caveira de Cristal. Helena Shaw, a filha de Basil e afilhada de Indiana Jones vivida por uma Phoebe Waller-Bridge que simplesmente não combina nada com filmes de ação, é a versão moderna de Marion Ravenwood, ainda que obviamente sem o lado romântico da história. Há até mesmo um Short Round 2.0 (ou seria 0.5?) na forma de um garoto marroquino chamado Teddy Kumar (Ethann Isidore) que Helena basicamente adota como seu sidekick.

Com isso, aquela impressão de intensa familiaridade está presente demais em Relíquia do Destino, algo que muitos até podem considerar como preferível, mas que eu vejo como uma prisão narrativa. Alia-se a isso a incapacidade de Mangold de fazer cenas de ação curtas, com o prólogo no passado que faz belo uso do rejuvenescimento digital de Ford (nem sempre funciona, admito, mas é impressionante quando funciona) arrastando-se por muito mais tempo do que o necessário, com ecos claros do início de A Última Cruzada e a sequência em Nova York no presente do longa (1969) sofre ainda mais com isso, pois ela é usada também para apresentar Helena e toda a mitologia do Macguffin da vez. E esse cacoete continua se repetindo ao ponto de transformar a meia hora final, que é realmente o grande momento de ousadia do filme e que eu adorei sem reservas, em algo que inicialmente o espectador está já cansado de ver, mas que, por ser bem diferente do esperado, desperta interesse. Fica evidente que o filme, talvez por ter quatro roteiristas, acabou tendo ideias demais mantidas no roteiro e não cortadas como deveriam ter sido.

Sei que meu texto pode parecer mais negativo do que a avaliação do início deixa transparecer, mas não é bem assim. Salientei os problemas, pois as qualidades de Relíquia do Destino eu acho que nem precisaria ter assistido ao filme para destacar. A primeira delas eu já mencionei várias vezes: Harrison Ford como Indiana Jones. Por mais idoso que o ator possa ser, seu magnetismo em tela em qualquer papel é enorme (se não assistiram, assistam a recente série Falando a Real) e, como Indy, não tem instrumento capaz de medir o tamanho e a força dessa sua característica. E olha que Ford nunca foi um grande ator no sentido Daniel Day-Lewis da palavra, mas ele esbanja coração e presença em tela como poucos. A outra grande qualidade do longa eu também já mencionei e é a pegada old school para as sequências de ação que é refrescante demais no cinema blockbuster de hoje em dia em que tudo parece feito para causar ansiedade e ataques epilépticos. Mangold pode não saber dizer “corta!” quando deveria, mas, lá no fundo, cada fotograma de um Indiana Jones derrubando as prateleiras de um depósito de peças arqueológicas, cavalgando um cavalo da polícia em plena parada de comemoração pela chegada dos astronautas americanos da lua ou socando nazistas é delicioso demais para simplesmente descartarmos como mera diversão. É, ao contrário, uma tentativa – falha, eu sei – de retornar a um tipo de Cinema que não se faz mais e isso sempre tem valor em um mercado repleto de divertimento vazio.

Indiana Jones e a Relíquia do Destino é Indiana Jones dos anos 2000, pelo que qualquer comparação com a trilogia clássica é perda de tempo, mesmo que o filme faça de tudo para resgatá-la. O segundo retorno extemporâneo do Dr. Henry Walton Jones Jr., que adotou o nome de seu fiel malamute do alasca, é aventura no estilo velha guarda que bebe efusivamente da fonte da nostalgia que tem a seu dispor e que entrega uma simpática festa de despedida a seu protagonista. Que Indiana Jones realmente se aposente agora!

Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Indiana Jones and the Dial of Destiny – EUA, 2023)
Direção: James Mangold
Roteiro: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth, David Koepp, James Mangold (baseado em personagens criados por George Lucas e Philip Kaufman)
Elenco: Harrison Ford, Phoebe Waller-Bridge, Mads Mikkelsen, Antonio Banderas, John Rhys-Davies, Toby Jones, Boyd Holbrook, Ethann Isidore, Shaunette Renée Wilson, Thomas Kretschmann, Karen Allen, Olivier Richters, Mark Killeen, Nasser Memarzia
Duração: 154 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais