Home FilmesCríticas Crítica | Maligno (2019)

Crítica | Maligno (2019)

por Leonardo Campos
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Crianças amaldiçoadas não é uma novidade no cinema há eras. Diante da afirmação, não espere da produção um amontoado de reviravoltas ou inovação em um subgênero bastante trabalhado ao longo da história do audiovisual, bem como na literatura, no teatro e na televisão. Ao longo do texto Crianças Podem Ser Cruéis?, publicado no Outubro do Terror 2018, questionei o tema e apresentei uma série de narrativas que abordam a capacidade de crianças na realização de atos cruéis e abomináveis.

Há um feixe amplo de produções, mas no geral as dividimos entre os tons sobrenaturais e a perspectiva realista. Maligno faz parte do primeiro caso, apesar de seguir uma linha estrutural e estética sem os malabarismos típicos dos efeitos especiais focados nas presenças do demoníaco em cena. Na linha do realismo há os desempenhos dramáticos adequados de Elijah Wood e Macaulay Culkin em O Anjo Malvado, o cinismo e a dissimulação de Patty McCormack em A Tara Maldita, a assustadora face do mal de Jacob Hogan em Joshua – O Filho do Mal, dentre outros.

Na linhagem sobrenatural, o número é ainda maior. As crianças que refletiram os medos e ansiedades da Guerra Fria em A Aldeia dos Amaldiçoados, refeito pelo mestre John Carpenter nos anos 1990 (A Cidade dos Amaldiçoados), os assassinos ritualísticos criados por Stephen King e levados ao cinema em Colheita Maldita, além dos tantos filhos do diabo, dentre eles, o anticristo da obra-prima A Profecia, clássico que encontra em Maligno alguns paralelos e o merecido tom de homenagem, dos créditos ao trecho próximo do finalzinho da “curva dramática”.

Interpretado por Jackson Robert Scott, o “monstro” da vez não é humano, mas aproxima-se bastante de muitos casos que gravitam em torno das discussões sobre crueldade e psicopatia infantil, um tema polêmico e caro para o terreno dos psicólogos. Conforme a abertura da produção, o garoto é a reencarnação de Edward Scarka (Paul Fouteux) um perigoso maníaco, conhecido por assassinar mulheres e retirar uma de suas mãos antes do “abate” final.

Logo na abertura, acompanhamos a sobrevivente a escapar e ser socorrida na estrada, tendo em paralelo duas situações posteriores: a polícia na casa do assassino e o nascimento do pequeno Miles, o novo problema da família Blume, composta por Sarah (Taylor Schilling) e John (Peter Mooney). Eles esperam ansiosamente pela chegada da criança, sem imaginar o desafio e o horror que se aproximam com força impressionante.

Numa era de descrença para os filmes de terror, repleto de narrativas medíocres, Maligno ajuda a compor o feixe das boas realizações, tamanha a excelência e sofisticação. Sob regime de tensão calculada, a produção investe nos clichês do gênero sem comprometer a condução dos acontecimentos ou utilizar sustos excessivos como muleta narrativa. Há jumpscare? Sim, há, mas não é algo que incomode ou torne o filme menor, na verdade é um diálogo com as plateias contemporâneas, numa tentativa de agradar ao máximo de pessoas antenadas ao horror, um dos gêneros mais lucrativos da indústria cinematográfica.

No que concerne aos filmes de terror, vamos combinar que há total descrença do espectador diante das últimas realizações de grandes estúdios. Alguns o fracasso já pode ser previsto no próprio trailer. Com exceção do último Halloween e do espetacular Um Lugar Silencioso, a maioria das produções de horror demonstraram total descaso com a inteligência e o bom senso. O Chamado 3, Parque do Inferno, Cadáver e o último derivado de Invocação do Mal são alguns exemplos de como é complicado estabelecer uma linha histórica coesa para o terror.

A Freira, por exemplo, tinha tudo para ser um filme excepcional, mas caiu nas graças dos vícios e adentrou a lista de alguns dos piores dos últimos tempos. Um dos únicos elementos interessantes da produção é a condução musical de Joseph Bishara, também responsável pela trilha sonora da saga maligna do pequeno Miles. Um dos setores mais influentes do horror, a música de Maligno adorna os enquadramentos e movimentos de câmera da direção de fotografia de Bridger Nielson, profissional que capta bem os cenários de cores frias, criados por Shayne Fox, elementos que justapostos, concebem ao filme uma atmosfera digna de filme de terror.

Sob a direção de Nicholas McCarthy, cineasta que teve como guia o roteiro de Jeff Buhner, Maligno aborda uma temática constante na seara do horror: a maternidade em crise. A boa condução da história é responsabilidade da equipe técnica, repleta de profissionais inspirados na estruturação estética, mas devemos também observar os desempenhos dramáticos dos principais personagens, em especial, a maldita criança possuída, interpretada com eficiência pelo pequeno Scott, bem como a sua mãe, erguida numa performance equilibrada de Taylor Schilling, atriz que deixa a histeria comum ao gênero para embarcar numa performance mais contida e reflexiva.

Sem necessidade e pretensão de “inventar a roda”, tampouco abrir precedentes para alguns cinéfilos e (pseudo) críticos de cinema criarem teorias mirabolantes para alimentar debates frívolos em podcasts questionáveis, Maligno se prende aos acontecimentos diegéticos, isto é, ao que acontece de maneira linear na vida da família, com evolução do enredo de maneira objetiva, sem explicações esmiuçadas demais, algo muito comum no horror moderno. Como dito, não há intenção alguma em ser o “novo” A Profecia, tampouco surpreendente e inesquecível como O Exorcista. A produção é apenas um bom filme de terror e por isso só já se faz suficiente.

Maligno (The Prodigy, Estados Unidos – 2018)
Direção: Nicholas McCarthy
Roteiro: Jeff Buhler
Elenco: Ashley Black, Ava Augustin, Brittany Allen, Byron Abalos, Colm Feore, David Kohlsmith, Jackson Robert Scott, Mark Sparks, Michael Dyson, Olunike Adeliyi, Peter Mooney, Taylor Schilling
Duração: 92 min

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