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Crítica | Pânico 2

por Leonardo Campos
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Nunca se sabe quem pode estar em sua campainha

– Trecho da canção Your Lucky Day in Hell, da banda Eels

Há uma cena em Pânico 2 que ilustra muito bem a avaliação estrelada deste texto: após a cena de abertura, ou seja, um engenhoso assassinato, alguns estudantes conversam sobre a coerência das continuações de sagas antológicas. Alien, O Exterminador do Futuro, O Poderoso Chefão, A Casa do Espanto. Nós, espectadores cinéfilos, nos deliciamos com as referências, bem como praticamente participamos dos debates. A questão principal e autor-referencial, um dos pontos altos da saga de Wes Craven, gira em torno do seguinte questionamento: as continuações são sempre ruins, filmes menores ou que destroem o “original”? Baseado no roteiro do filme, nem sempre podemos totalizar. Há continuações superiores aos primogênitos de sagas e uma delas é este filme, um eletrizante e sagaz suspense com altas doses de adrenalina.

Já se passaram dois anos e os assassinatos em Woodsboro foram traduzidos para a tela dos cinemas. Gale Wheaters (Courtney Cox) conseguiu alcançar o posicionamento midiático que queria e é autora do livro Os Assassinos de Woodsboro, transporto para o cinema como A Punhalada. Sidney Prescott agora é uma estudante universitária (Neve Campbell) triste e solitária, mas que vai precisa se reinventar: a mídia está em seu encalço devido aos assassinatos na sala de cinema, principalmente pelo fato da moça assassinada se chamar Maureen Evans (Jada Pinket Smith, que por sinal, protagoniza uma excelente cena de abertura), o mesmo nome da sua mãe. Para piorar, Cotton Weaver (Liev Schrieber) está solto, participa de programas midiáticos e deseja tornar a sua inocência um tema publicitário. Dewey (David Arquette), ao ser informado dos crimes, parte ao encontro de Sidney. Ele, Gale, Sidney e Randy (Jamie Kennedy) precisam lutar pela sobrevivência.

Kevin Williamson tratou de incluir no roteiro mais alguns personagens interessantes: Hallie (Elise Neal), Mickey (Timothy Olyphant) e Derek (Jerry O´Connel), novo namorado de Sidney. Marco Beltrami volta para assinar o trabalho de som, juntamente com o montador Patrick Lussier, profissional que acompanhou Wes Craven durante os filmes da saga. Quem também retorna e imprime um clima estudantil, mas estilizado, é o diretor de fotografia Peter Deming. O espaço cênico, a profundidade de campo (principalmente nas cenas em locais mais fechados) e o papel criador da câmera são os destaques técnicos importantes para a condução desta narrativa tão dinâmica.

A atriz Sarah Michelle Gellar, em alta na época por causa do sucesso da série Buffy e do bem orquestrado suspense Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado faz uma pequena participação como Cici Cooper, mas logo se torna uma das vítimas de Ghostface. Robert Rodriguez, também na crista da onda daquela geração, é o responsável por dirigir o filme dentro do filme, A Punhalada, retomando de forma paródica a cena de abertura do filme anterior, com Drew Barrymore, com direito a homenagem ao clássico de Alfred Hitchcock, Psicose, e a sua cena do chuveiro.

Sociologicamente falando, Pânico 2 explora questões bastante contundentes em relação à mídia e aos telejornais que espremem sangue nos programas diários. Sabemos que há a necessidade de informação, mas a violência tornou-se espetáculo, nos dias atuais ainda mais, e o diretor e o roteirista, como se estivessem prevendo o futuro, apostaram na abordagem desta banalização da violência. Gale representa muito bem esse papel e os diálogos com o seu novo operador de câmera beiram ao sensacional. Sarcástica, irônica e sem pudor: tudo o que inicialmente a repórter quer é ser premiada e conseguir os seus “furos” de reportagens.

E por falar em previsão do futuro, não podemos ignorar a elucidativa cena de Sidney ensaiando, no palco do teatro da universidade, a representação de Cassandra, ícone da mitologia grega. Será este o espaço cênico do apoteótico final do filme. Uma tragédia apresentada pela ótica do cinema, mas situada num palco de teatro? Talvez seja a maior sacada presente nos quatro filmes que embalam a saga. Antes de um ensaio, o professor que a dirige conversa com Sidney sobre a aceitação do seu destino trágico. Para os gregos, as leis do destino eram escritas para a eternidade, num lugar onde só os deuses podiam consultar. A compreensão do significado do destino neste período pode ser encontrada em composições atribuídas a Hesíodo e Homero. Em suma, o destino é pensado como uma sucessão de acontecimentos relacionados a uma possível ordem cósmica.

Ainda na mitologia grega, o destino surge através da representação das Moiras, irmãs que determinavam o destino dos deuses e dos humanos, fabricadoras do fio da vida dos indivíduos. As alegorias gregas misturam-se com a composição do personagem. Sidney precisa ser forte, como aconselha o seu professor (oráculo) e aceitar o seu destino. No entanto, para a aceitação deste destino, ele precisará ser forte e lutar, o que de fato acontece com mais veemência a partir deste segundo filme.

Ao encenar Cassandra, Sidney traz para si a personificação da aceitação. Desacreditada pela família e considerada como louca por ter previsto o desastre que seria a Guerra de Troia, Cassandra tornou-se símbolo da confiança entre os seres humanos e metáfora no âmbito da Psicologia para alguém que consegue ver a “verdade” de forma mais esclarecida.

Neste desfecho, Sidney passa a bola da vez para Cotton. Ela não quer (e nunca quis) ser vítima ou heroína de tamanha tragédia. Ao longo dos 122 minutos de duração, Pânico 2 dá uma lição de como produzir uma continuação tão interessante quanto o seu primeiro filme. Será que Sidney alcançou o nirvana e se livrou finalmente do caminho trágico do seu mapa vital? A resposta, obviamente, é não, haja vista que a personagem precisará purgar por mais dois filmes.

Infelizmente, alguém está por trás de um plano mais mirabolante que o visto nesta continuação. Ruim para Sidney, Gale e Dewey, bom, muito bom para nós, espectadores e fãs da série. Mas isso é papo para Pânico 3, texto que dá continuidade ao processo analítico da saga (muito bem) dirigida por Wes Craven. Convido-lhe, mais uma vez, para o exercício metalinguístico que nos acompanha na próxima crítica. Enquanto isso, caro leitor, deixo-lhe um questionamento: continuações são sempre inferiores aos originais?

Pânico 2 (Scream 2, EUA- 1997)
Direção: Wes Craven
Roteiro: Kevin Williamson
Elenco: Neve Campbell, Courtney Cox Arquette, David Arquette, Jada Pinket Smith, Jamie Kennedy, Liev Schreiber, Laurie Metcalf, Jerry O´Connel, Timhoty Olyphant, Elise Neal, Sarah Michelle Gellar, Duane Martin
Duração: 122 minutos

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