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Crítica | Imitação da Vida (1959)

por Luiz Santiago
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Imitação da Vida (1959) foi o último filme dirigido por Douglas Sirk em Hollywood, uma produção de despedida que fechou com chave de ouro a sua longa carreira no país, iniciada em 1943, e também colocou um ponto final em sua gloriosa “segunda fase” de melodramas, iniciada em 1954 com Sublime Obsessão.

Imitação da Vida é a adaptação da obra homônima de Fannie Hurst, que já havia sido filmada em 1934 por John M. Stahl. A versão de Sirk, no entanto, não faz mímicas da primeira. O diretor e os roteiristas Elleanore Griffin (Oscar de Melhor Roteiro por Com os Braços Abertos, 1938) e Allan Scott (nomeado ao Oscar de Melhor Roteiro por A Legião Branca, 1943) modificaram o elemento catalisador do conflito pondo foco na questão do racismo e, em torno dele, construíram uma teia de relações sentimentais que vão da complexa relação entre pais e filhos -– no filme temos dois exemplos distintos dessa relação -– até o sempre complexo amor sirkiano em melodramas, um padrão que o diretor cultivou de maneiras diferentes desde a sua primeira obra do gênero, A Garota do Pântano (1935).

Em essência, a história de Imitação da Vida é sobre o amadurecimento e o arrependimento de ter ou não ter feito determinadas coisas na vida. Ao longo de duas horas de projeção, acompanhamos a vida de Lora (a belíssima e em ótima atuação Lana Turner), que na primeira parte do longa é uma pobre aspirante a atriz e, na segunda parte, uma estrela de teatro e cinema, sempre acompanhada pela única amiga, Annie (Juanita Moore, indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo seu papel no filme), pela filha Susie (Sandra Dee, toda Lolita) e por Sarah Jane (Susan Kohner, em uma atuação marcante, também indicada ao Oscar, e transpirando ódio e sexo), a filha branca de Annie que não aceitava ter uma mãe negra.

O texto é tão forte e tão bem construído que o espectador se vê de pronto envolvido e enojado com o racismo e constante estupidez da personagem de Susan Kohner –- a cena icônica em que ela serve alguns convidados de Lora, com sotaque e trejeitos dos “negros do sul”, falando errado e dizendo ser “propriedade” da “sinhá branca” é uma das mais marcantes dos anos 50 -–, tema posteriormente expandido quando o namorado descobre a descendência dela e a espanca no meio da rua. Apesar do controle e exigências do produtor Ross Hunter, Sirk fez em Imitação da Vida o que ele não conseguira fazer de maneira mais aberta em outros melodramas (à exceção de Amar e Morrer), que é destacar a tragédia e escantear a felicidade, especialmente no final.

Sabemos que Sirk foi um diretor “contrabandista” em sua fase hollywoodiana, adicionando símbolos sexuais (especialmente fálicos, como as torres de petróleo em Palavras ao Vento e estrados de cama, postes, faróis, vigas e outros… bem… paus e afins… em Desejo Atroz, Sublime Obsessão, Tudo o Que o Céu Permite, Chamas Que Não se Apagam Sinfonia Interrompida) e indicando tristeza e perdição para a maior parte de seus personagens, a despeito de uma aparência de final feliz. Da fase madura do diretor, o único filme que realmente foge a esse parâmetro e é dominado pelo padrão fácil e clichê de Hollywood é Hino de uma Consciência.

Assim, Imitação da Vida possui não só um mar de simbolismos como também discussões praticamente impensáveis para um melodrama elegante cujo público-alvo eram mulheres de classe média e alta dos Estados Unidos. O diretor escancara relações sociais por interesse, racismo, materialismo, afastamento dos pais em relação aos filhos, deturpação do conceito de educação, enferrujamento do clássico projeto familiar, desequilíbrios e questões psicológicas de primeira ordem, tudo isso embrulhado em um enredo com forte característica metalinguística (com o diálogo entre palco e tela) e delineado por uma trilha sonora potente, além de três canções inesquecíveis: Imitation of Life (na voz de Earl Grant, que abre o longa com perfeição); Trouble of the World (interpretada de maneira emotiva e inesquecível por Mahalia Jackson) e Empty Arms (na distinta voz de Jo Ann Greer).

Com cores mais aplacadas do que o normal para um filme de Sirk (resultado proposital combinado com o fotógrafo Russell Metty, e conseguido tecnicamente pela revelação do negativo Eastmancolor), e grande exploração de paletas neutras + passagem de tonalidades fortes para pálidas, Imitação da Vida se mostra claramente uma obra de crepúsculo, tanto de uma era social, quanto de um cineasta. O diretor declarava ali a sua aposentadoria (que seria rompida pela atividade tardia dele na Alemanha, onde dirigiu mais três curtas-metragens, Fala Comigo Doce Como a Chuva, 1976; Véspera de Ano Novo, 1978; e Bourbon Street Blues, 1979) e, muito simbolicamente, finalizou a obra com um funeral.

Se fosse necessário apontar a obra mais bem acabada e rigorosamente decupada de Douglas Sirk, Imitação da Vida, imediatamente seguida de Tudo o Que o Céu Permite, seria a resposta. Entre figurinos de beleza espetacular, enquadramentos milimetricamente pensados (é inacreditável ver cada espaço do cenário ser aproveitado, do teto às muitas cadeiras espalhadas pelo set), perfeito uso de espelhos e escadas para representar dubiedade, vitórias e derrotas e um encadeamento de fatos que realmente faz jus à discussão sobre o título da obra, o cineasta nos trouxe aqui a sua última pérola de sua carreira. Um filme inesquecível pelas mais elogiáveis razões.

Imitação da Vida (Imitation of Life) – EUA, 1959
Direção: Douglas Sirk
Roteiro: Eleanore Griffin, Allan Scott (baseado na obra de Fannie Hurst).
Elenco: Lana Turner, John Gavin, Sandra Dee, Susan Kohner, Robert Alda, Dan O’Herlihy, Juanita Moore, Karin Dicker, Terry Burnham
Duração: 125 min.

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