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Crítica | Succession – 3X08: Chiantishire

A podridão no paraíso.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas. 

Usando o casamento de Caroline na belíssima Toscana como pano de fundo para levar os quatro herdeiros do clã Roy para o fundo do poço, Jesse Armstrong faz de Chiantishire, penúltimo episódio da temporada, uma experiência desagradável, constrangedora e indigesta e isso já considerando que ele vem logo em seguida ao quase tão repulsivo Too Much Birthday. É como se o showrunner estivesse nos desafiando a continuar assistindo até o final, fazendo-nos passar por uma destruidora corrida de obstáculos que mais parece a tática de guerra conhecida como “terra arrasada”, não deixando pedra sobre pedra tanto para os personagens quanto para os espectadores.

O contraste da bela fotografia em locação na Itália com os assuntos sucessivamente mais sórdidos discutidos ao longo do episódio é uma jogada de mestre da produção, vale destacar. Cria-se um conforto visual entre paisagens deslumbrantes, prédios históricos, jardins perfeitos e figurinos exuberantes que são inclemente e constantemente desfeitos pelo desenrolar da narrativa em relação a cada um dos filhos de Logan Roy, algo que o roteiro de Armstrong ainda se dá ao luxo de trabalhar em contagem regressiva, da situação menos gravosa até a mais gravosa, ainda que seja realmente difícil ranquear cada uma delas com precisão.

No entanto, inspirado pelo roteiro, seguirei também a ordem dos acontecimentos e começarei meus comentários focais por Connor Roy, o único dos quatro filhos de Logan que não é também filho de Caroline, segunda esposa do cruel patriarca. Sua campanha presidencial continua e, apesar de não haver a menor chance real de ele abalar a estrutura bipartidária dos EUA, ele comanda número relevante o suficiente de intenções de voto – aquele mágico 1% – para que veículos de imprensa tenham interesse em escrever sobre ele, o que, claro, significa cavar sobre a vida de sua namorada Willa, ex-garota de programa que passou a ter um “cliente único” unicamente porque esse cliente passou a bancá-la em suas pretensões dramatúrgicas. A solução para o impasse é, claro, na cabeça perturbada de Connor, pedi-la em casamento, de joelhos, em meio ao jardim da festa de sua madrasta, levando-a a reagir de maneira desconcertada, tentando ao máximo manter as aparências perante terceiros, mas sem realmente responder nada, algo que continua no dia seguinte. Sem dúvida esse é o fundo do poço mais “raso” do episódio, mas, mesmo assim, considerando todo o histórico de Connor, nada mais do que um bobo da corte da família, profundamente humilhante.

Em segundo lugar – na ordem cronológica dos acontecimentos, apenas – Shiv tem uma devastadora conversa com sua mãe em que, em poucas e duras palavras, Caroline diz, como se fosse a coisa mais normal do mundo, que ela jamais deveria ter tido filhos e que teria sido melhor ter cachorros. Mesmo considerando a animosidade que sempre existiu entre as duas, nunca, em circunstância alguma, uma filha ouvir algo assim de sua mãe é menos do que um soco muito bem dado no estômago, daqueles de fazer o chão desaparecer sob nossos pés. Percebe-se que os filhos estragados de Logan Roy não têm só ao patriarca para agradecer por serem quem são. Mas, ainda mais doloroso é quando Shiv percebe, logo depois de sua mãe dizer que ela escolheu certo ao decidir não ter filhos, que ela, Shiv, está se tornando sua mãe. A realização desse seu futuro é aterrador para ela, mais ainda do que descobrir que ela deveria ter sido uma cachorrinha.

E qual é a reação imediata de Shiv? Procurar seu marido para um noite tórrida de sexo sujo, que, em um mundo normal, significaria algo quente e excitante, mas que, aqui, é só sujo mesmo (vamos combinar que o episódio inteiro é uma sujeira só – a série toda, na verdade!), com Shiv dizendo que, afinal, quer ter filho e que, na “brincadeira” provocadora que Tom pede a ela, diz com todas as letras aquilo que nós sabemos – e que Tom também sabe -, ou seja, que ele não é digno dela e que ela não o ama. Ela levou um soco no estômago mais cedo e sua resposta é revidar na mesma moeda e em quem ela pode. E o revide continua no dia seguinte quando Tom – ele sim um cachorrinho sempre de língua para fora por ela – a indaga sobre a gravidez e o que segue daí é um dos diálogos mais horríveis e dilacerantes que já escutei em uma obra audiovisual. A forma como ela fala do congelamento de embriões, o possível descarte em caso de divórcio e tudo mais mostra não só que ela realmente, alguma hora, pensou estrategicamente sobre isso, como ela não liga mesmo absolutamente nada para o marido, para a possibilidade de ter filhos ou mesmo de tentar ser feliz e encontrar o amor. Ela é, sem tirar nem por, e talvez mais claramente agora, a filha de seu pai e de sua mãe.

Roman, nadando de braçada, é o favorito do momento de seu querido pai, isso até que as publicações de Lukas Matsson nas redes sociais começam a indicar que a importantíssima negociação de compra da GoJo parece estar indo por água abaixo. O que segue daí é uma correria para tentar impedir o naufrágio, o que significa um encontro corrido com Matsson, que se revela uma cobra tão peçonhenta quanto Logan, Roman manobrando o barco de maneira a encontrar uma saída e entregando um pacote novo para seu pai que recebe de maneira surpreendentemente positiva. Mas, assim como Kendall, Roman, em sua arrogância e segurança diante de sucessos repetidos, mete os pés pelas mãos ao mandar uma foto indecente cujo destino era a coitada da Geri para ninguém menos do que seu próprio pai, resultando em seu ego inflado ser imediatamente perfurado e Roman, o grande negociador, transformar-se em Roman, a criança problemática, diante de nossos olhos, com Shiv esfregando, com gosto, todo o sal que encontra na ferida aberta.

E, finalmente – mas certamente não menos importante – temos Kendall e sua admissão de derrota diante do pai em uma cena que, confesso, foi a mais difícil de assistir da temporada até agora. Preparando um jantar sofisticado para o pai de forma que eles possam ter uma conversa realmente séria e com Logan imediatamente usando o neto – o mesmo em quem ele acertou um jarro de geleia lá na primeira temporada, lembram-se? – como “provador real” para saber se seu prato estava envenenado. Só aí, mesmo quem nunca viu Logan Roy antes, percebe que tipo de monstro ele é. Ele não fez aquilo por realmente achar que sua comida estava envenenada, claro, mas sim, apenas, por uma pura e simples demonstração de poder absoluto e da mais completa indiferença por quem quer que seja. Depois disso, é só ladeira abaixo com Ken pedindo – suplicando! – para sair com base na proposta que serviu como início de sua própria desestabilização em sua festa e seu pai simplesmente dizendo não, que, aquilo fora uma “brincadeira” e que talvez ele queira o filho por perto. É como se essa cena se passasse dentro de uma masmorra medieval com um carrasco torturando uma vítima das formas mais cruéis possíveis, o que, para Logan, significa levantar mais uma vez a morte do garçom causada por Ken, que é uma espécie de resumo de sua vida desregrada. O único problema é que Logan não tem a menor consciência (eu acho mesmo isso, confesso) do quanto ele foi e é o abusador de seus filhos e que Ken, por mais defeitos que tenha, realmente sente culpa pelo ocorrido, diferente do pai sobre qualquer ato pelo qual ele tenha sido responsável direto ou indireto.

Com isso, temos aquela desde já antológica cena final de Kendall boiando na piscina, deixando a garrafa de cerveja cair e, aparentemente, morrendo afogado. Sim, a cena é propositalmente ambígua e carregada até de poesia visual, já que ele em tese tem o mesmo fim do garçom que matou, pelo que sua morte, a essa altura, é apenas suposição, mas uma suposição que faz absolutamente todo o sentido considerando-se a trajetória do personagem até aqui. Mesmo que ele não seja flor que se cheire, sempre foi perceptível que, de todos os filhos de Logan, ele é o que sempre demonstrou mais sensibilidade e resquícios latentes de humanidade. Seu sofrimento, em seus momentos mais baixos, sempre pareceu real e doloroso e suas recuperações sempre vitórias. Ele tentou fazer o certo ao acusar o pai, percebeu o quão fácil foi o pai escudar-se de seus ataques, o que incluiu até mesmo derrubar o presidente dos EUA e, agora, vendo-lhe roubada até mesmo sua mais humilhante saída, a rendição, ele não tinha outra alternativa que não morrer e essa morte pode ser um ponto de virada fundamental para a série se ela realmente for confirmada.

Mas pararei minhas suposições por aqui, pois pode não ser nada disso, ainda que Succession não me pareça uma série que faça esse tipo de brincadeira, pelo menos não sem consequências de monta. Resta-nos agora esperar pelo final da temporada para saber do fim de Kendall e se, morrendo ou não, como a Waystar-Royco ficará com a aparentemente vindoura fusão – não compra – com a GoJo. A única certeza que eu tenho é que, agora, a Toscana não é mais tão bela quanto eu lembrava que era…

Succession – 3X08: Chiantishire (EUA – 05 de dezembro de 2021)
Criação: Jesse Armstrong
Direção: Mark Mylod
Roteiro: Jesse Armstrong
Elenco: Brian Cox, Jeremy Strong, Sarah Snook, Kieran Culkin, Alan Ruck, Nicholas Braun, Matthew Macfadyen, Peter Friedman, J. Smith-Cameron, Natalie Gold, Justine Lupe, Sanaa Lathan, Hiam Abbass, James Cromwell, Hope Davis, Alexander Skarsgård
Duração: 64 min.

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