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Crítica | Vox Lux

por Ritter Fan
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Será 2018 o ano dos musicais? Depois do quarto Nasce Uma Estrela e da tão aguardada quanto atrasada cinebiografia de Freddy Mercury e do Queen, eis que chega Vox Lux, segundo longa do jovem ator Brady Corbet, que também escreveu o roteiro, com ninguém menos do que Natalie Portman e Jude Law no elenco e composições originais de Sia, que trata, em sua essência, sobre a toxicidade da fama. Em outras palavras, o filme desconstrói de maneira direta a glamour de seus pares do ano, desnudando o preço da fama

E esse preço começa em sua origem. A carreira da cantora pop Celeste (Raffey Cassidy quando adolescente e Natalie Portman quando adulta) tem sua gênese em um terrível ataque à sua escola que ceifa a vida de diversos alunos e quase acaba com ela. É em uma homenagem cantada de Celeste a seus colegas que ela é revelada ao mundo, juntamente com sua inseparável irmã mais velha Eleanor (Stacy Martin). É aquele momento em que paramos e dolorosamente percebemos que, lá no fundo, talvez gostemos de desgraças desse naipe, que nos refestelemos com tudo o que pode sair daí, abraçando toda a manipulação desse jogo terrível. Portanto, a desgraça – ou, mais corretamente, nossa sede por desgraça – faz desabrochar um talento e, em um prólogo, dois capítulos (Gênese e Regênese) e uma conclusão, vemos a carreira meteórica de Celeste da virada do milênio até os dias de hoje em um roteiro estruturalmente muito original, que só nos entrega visões macro, com pinceladas sobre a vida da protagonista, sempre marcada por tragédias externas que ganham reflexos internos.

É importante, assim, que se tenha consciência que Corbet não cai na armadilha do didatismo ou do sentimento barato. A menina inocente que vemos no começo cresce rápido e, em um piscar de olhos, ela tem 31 anos, em seu show de retorno, já tendo passado por uma pletora de problemas em sua carreira e vida pessoal. Portman entra no lugar de Cassidy e Cassidy transformar-se em sua filha, Albertine, em uma elipse cujo “espaço” é, aos poucos, preenchido com diálogos e interações fluidos, naturais e que aí sim nos dão uma visão ampla da ascensão e queda de Celeste, com seu agente sem nome sempre por trás (Jude Law) e um narrador intrusivo, com a voz marcante e inconfundível de Willem Dafoe.

Repleto de planos-sequência longos e complexos, câmeras que seguem os personagens que emprestam um ar documental e mantêm-se perto de seus rostos para nos colocar na pele deles, às vezes desnorteando-nos, Vox Lux é um mergulho no lado sombrio da fama e da celebridade, mas sem exagerar no drama, sem reinventar a roda. Podemos ver em Celeste muito facilmente como um arquétipo de outros vários artistas vivos ou não, de Elvis Presley até Amy Winehouse. Podemos também nos ver em seus fãs, inclusive no gerente do restaurante que insiste em tirar um selfie com Celeste. Podemos sentir o desespero de alguém preso por grilhões marretados no chão por todos ao seu redor e que, agora, fazem parte de seu DNA. Quando Corbet sincroniza a vida de Celeste com as tragédias ao seu redor, ele amplifica a corrosividade desse pequeno mundo pessoal para o Mundo, esse com M maiúsculo mesmo. Ele quer que nós entendamos que as vidas se interconectam e que todos nós afetamos e somos afetados pelos outros, algo que esquecemos diariamente.

Natalie Portman, porém, é quem carrega o proverbial piano aqui. Mas faço um parênteses preliminar: Cassidy está muito bem como a Celeste adolescente e seus capítulos no filme são não só muito bons, mas essenciais para as construções da base da Celeste adulta. É que quando Portman finalmente entra, ela está tão intensa, tão mastigadora de cenários, tão Cisne Negro ou Jackie, que é impossível desviarmos os olhos dela. Mais uma vez, a atriz israelense torna-se o filme que ela protagoniza, mais uma vez ela deixa claro que aquele Oscar solitário dela em sua cornija de lareira logo logo ganhará um irmão gêmeo. A energia que a atriz infunde em Vox Lux é impressionante e hipnotizante, falando sem parar em monólogos quase em transe que nos deixam desesperados para compreender os anos pulados no filme e ver mais daquela celebridade decadente, mas que tenta ascender novamente.

Corbet não se preocupa muito com uma estrutura tradicional para seu filme e isso somado aos números musicais – poucos, mas eles estão lá e são importantes – pode passar a ideia de que o filme é forma sobre a substância. E, de certa forma, ele é mesmo. Afinal, não seria essa a lógica do mito da celebridade? Quando Celeste diz que faz música pop justamente porque não quer que as pessoas pensem, só se divirtam, Corbet está usando sua personagem não para dizer a literalidade do que ela afirma, mas sim para asseverar que raciocínio e diversão, nesse mundo contaminado por sucessos efêmeros (na música, televisão, cinema e nas artes em geral), talvez sejam sim mutuamente excludentes. Se essa generalização irrita o espectador, então ele precisa perceber a linda ironia disso, que serve de corolário para a frase.

Vox Lux é um grito de atenção, um pedido de socorro, uma tentativa de fazer o mundo girar um pouquinho mais devagar. E, curiosamente, para pedir mais calma, Brady Corbet usa um ritmo alucinante, que nos faz ficar de coração pulsante ao final, mas talvez não da maneira que imaginávamos.

  • Crítica originalmente publicada em 07 novembro de 2018, por ocasião da cobertura do Festival do Rio.

Vox Lux (Idem, EUA – 2018)
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet
Elenco: Natalie Portman, Jude Law, Raffey Cassidy, Stacy Martin, Willem Dafoe, Jennifer Ehle, Christopher Abbott, Natasha Romanova, Maria Dizzia, Micheál Richardson, Matt Servitto, Sophie Lane Curtis, Christopher Dylan White, Allison Winn
Duração: 110 min.

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