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Crítica | O Escândalo (2019)

por Michel Gutwilen
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Entendo que, à primeira vista, o simples fato de um filme ter alguma mensagem negativa contra algum tipo de discriminação já seja o suficiente para muitos. Todavia, um crítico jamais pode esquecer que no cinema, juntamente com o conteúdo, a forma na qual uma história é contada é essencial. Infelizmente, O Escândalo (Bombshell) possui um problema incurável de forma.

O filme dirigido por Jay Roach (franquia Austin Powers) dramatiza os acontecimentos reais que levaram à demissão de Roger Ailes (John Lithgow, Pet Sematary), CEO da Fox News, após a denúncia de abuso sexual por diversas funcionárias. Assim, O Escândalo é contado a partir de 3 pontos de vista: o de Megyn Kelly (Charlize Theron, Mad Max – Estrada da Fúria) e Gretchen Carlson (Nicole Kidman, Aquaman), jornalistas reais; e o de Kayla Pospisil (Margot Robbie, Esquadrão Suicida), personagem inventada para a história.

O primeiro (e grande) problema do filme é que ele opta por seguir a cartilha de direção Adam McKay — que fez sucesso com A Grande Aposta e Vice além de pegar elementos de O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese. Com quebras de quarta parede, narrações em off didáticas, uma montagem frenética e zooms aleatórios, percebe-se esta tentativa de aproximar a abordagem de um caráter documental descontraído. 

Todavia, fico com a impressão que as pessoas envolvidas no processo criativo de O Escândalo simplesmente olharam um método que estava fazendo sucesso e resolveram fazer uma emulação automática, sem ao menos se questionar como isso se encaixaria dentro da história que eles queriam contar. 

Afinal, nos filmes anteriores vemos a ascensão de figuras polêmicas (Dick Cheney e Jordan Belfort) e o surgimento de um fenômeno como o crash da Bolsa, a partir de um humor absurdista. Todavia, o que aconteceu com Megyn Kelly, Gretchen Carlson e outras dezenas de mulheres não é uma comédia. Tampouco, Roger Ailes é apenas um homem “polêmico”.

Não só estamos falando de uma abordagem equivocada, como ela é mais do que isso. Ela é desrespeitosa e anula qualquer potencial dramático que o filme busca ter. Com aquelas aproximações da câmera enquanto as personagens discursavam, um efeito cômico-visual é gerado e parecia que eu estava assistindo a um episódio de The Office. Logo, não há menor harmonia entre o conteúdo sendo exposto e aquele formato de paródia, gerando uma grande contradição.

O Escândalo possui sérios problemas desde o momento em que foi concebido. Ao longo do filme, o fato de que o roteiro foi escrito (Charles Randolph) e dirigido (Jay Roach) por homens vai ficando claro. Existe uma certa satirização no modo como Roger Alies é retratado que faz com que ele pareça uma figura extremamente caricata. Existem até momentos cômicos no qual o personagem é extremamente paranoico com conspirações e também está sempre comendo. Essa simplificação do personagem acaba dando a entender que suas atitudes sexualmente abusivas são apenas mais uma maluquice sua, tratamento que é extremamente perigoso e problemático.

De mesma maneira, em uma cena crucial para o longa, a personagem de Margot é coagida por Alies para que mostre sua calcinha. Este momento acaba sendo muito revelador da enorme contradição que é esse filme. A própria figura da atriz no meio de Hollywood sempre foi vista, infelizmente, com muita sexualização, e Roach continua este estigma. Suas lentes nos colocam no ponto-de-vista do abusador e vemos aquele assédio de uma maneira quase voyeurística.

Aliás, não sou de comentar experiências que ocorrem dentro de uma sessão de cinema, como a crítica Pauline Kael tinha costume. No entanto, é muito curioso que, em uma cena que deveria ser a mais tocante do longa, toda a sua condução é sugerida inadequadamente como uma comédia. Assim, o público, que se vê envolvido e manipulado pela comédia de O Escândalo, dá uma enorme gargalhada quando duas personagens estão conversando sobre o abuso sexual.

De todos os personagens, os de Margot Robbie e John Lithgow são os mais prejudicados pelo tom do filme, indo muitas vezes para o tom caricatural e unidimensional. Por outro lado, até que a dupla se sai muito bem dentro desta dinâmica antagônica entre a inocência e a perversão, algo que fica contrastado muito bem na cena do assédio. Já Charlize Theron e Nicole Kidman estão muito mais sóbrias e parecem ser as únicas abordadas de um jeito mais sério. Uma sororidade invisível muito forte é sentida em suas personagens.

No fim, não deixa de ser irônico que enquanto O Escândalo fala sobre mulheres que são reféns do silêncio com o receio de perderem seu emprego, acaba sendo um filme que é um próprio refém de um sub-gênero de sucesso hollywoodiano.

O Escândalo (Bombshell) – Estados Unidos, 2019
Direção: Jay Roach
Roteiro: Charles Randolph
Elenco: Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow, Allison Janney, Malcolm McDowell, Kate McKinnon, Connie Britton, Liv Hewson, Brigette Lundy-Paine, Rob Delaney, Mark Duplass, Stephen Root, Robin Weigert, Amy Landecker, D’Arcy Carden
Duração: 108 min.

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