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Crítica | Oráculo (2021)

por Michel Gutwilen
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O grande exercício intelectual a ser realizado pelo espectador de Oráculo — 2º filme exibido na Mostra Aurora, dentro da 24ª Mostra de Tiradentes — é pensar em qual o elo comum que liga aqueles seis acontecimentos, que não possuem uma aparente ligação direta, mas, de algum modo, foram colocados conjuntamente pelos realizadores Melissa Dullius e Gustavo Jahn. Há muitas variáveis que distinguem e embaralham essa tentativa de esclarecimento, mas, ao mesmo tempo, algumas constâncias podem ser percebidas.

Debatendo com um colega crítico em privado, ele me afirmou que possui dificuldades com um certo hermetismo que impõe, para a fruição da experiência, a necessidade do espectador ser um profundo intelectual conhecedor de diversos pensadores filosóficos. Minha réplica a esse querido amigo foi que, longe de ser filosófico, se fosse para encaixar Oráculo em alguma área de conhecimento, ele seria físico, biológico e talvez até arquitetônico. Afinal, o que liga todos os acontecimentos é a luta contra a inércia, a necessidade (fisiológica, moral, mental..) de seguir em frente, de evoluir frente ao momento anterior. Seja o homem que acorda após uma bebedeira em uma rocha, a menina que está tentando aprender a tocar violão e cantar, assim como as próprias nuvens do plano final, todos eles são algo diferente do que eram no momento anterior. Sair do estado de embriaguez, do não conhecimento em relação à música, há esse ímpeto (talvez até uma força maior) pelo movimento, assim como aquelas nuvens. Por isso, talvez, não propositalmente, Oráculo seja o mais interessante e otimista filme pandêmico que vi até o momento. 

A duração temporal é um agente importante em Oráculo. Demora-se naqueles dois homens tentando se reerguer. Eles sofrem, parece que vão desistir, engolem água e areia, lutam com uma força invisível que os empurra de volta para o chão. Porém, no fim, eles vencem. A si mesmo e a realidade ao redor. Por outro lado, há também a dificuldade daquele homem que está andando. Diferente dos outros, ele começa em movimento, não na inércia. Mas qual é o fim daquela caminhada? Seria interminável? Estaria ele justamente fadado a um eterno vagar, o que não é muito diferente de estar eternamente parado, sem perspectiva de destino final? Igualmente, no plano da menina, o tempo literalmente se espelha, já que vemos ela tocar a música em sua totalidade e assistimos novamente ela escutar a si mesmo tocando, encarando seus erros de entonação e falta de tempo. Há uma demora, mas o final é sempre otimista e recompensador. Portanto, a dilatação temporal encontra sua função justamente em dar tempo ao tempo: esperar que o tempo de superação dos personagens alcance o tempo da natureza, pois este é mais rápido que aquele. Somente passamos para o próximo acontecimento, através da montagem, quando finalmente se sente que aquela situação de adversidade foi superada, que os personagens aceitaram a si mesmos (talvez o mais exemplo didático e literal seja a travessia da ponte), quando os dois tempos, em desarmonia, finalmente se encontram.

A luta do móvel contra o imóvel não só acontece a nível interior dentro do plano, como também se dá em outra camada, na sua própria configuração. O homem do 1º acontecimento, que finalmente conseguiu sair do chão e agora anda, parece estar perdido e  preso naquela pedra. É como se não houvesse outra realidade para fora do plano, que é como uma prisão e um mundo fechado em si mesmo. Então eis que a dupla de diretores, a partir de um gesto tão sincero e otimista, faz uma movimentação na câmera e vemos que aquele universo continua. O personagem está livre. Com a mulher do 5º acontecimento, dá-se o processo inverso, parte-se da visão da liberdade (o mar), e depois a câmera viaja para a prisão (que é a mulher andando de um lado para o outro no meio das rochas litorâneas). Sua liberdade não se dá literalmente, como nos outros, mas no prazer mental de tragar seu fumo e imaginar-se, a partir daquele jogo de olhares para fora do plano, no horizonte que fomos previamente apresentados. A mesma troca de quadro e fora-do-quadro pode ser encontrada também na história do homem vagante, onde somente vemos sua reação diante de um horizonte que não nos é revelado inicialmente, mas posteriormente vemos o outro lado da cidade.

No fim, Oráculo, nos mostra 6 histórias, onde cada uma, em sua individualidade, é um recorte temporal cujos momentos anteriores e posteriores desconhecemos. O que importa para o filme é o momento de transição. Não importa o que aconteceu com aqueles personagens (a nuvem, inclusive) para que eles chegassem naquele estado inicial da narrativa, e nem o que será deles depois, mas que naquele momento eles estão seguindo os mesmos impulsos naturais de sair da inércia ainda que diante de imposições naturais ou situações em que os personagens mesmo se colocaram. Não acredito em filmes “necessários”, mas a obra de Dullius e Jahn calha bem de sair neste contexto de isolamento onde buscamos esses mesmos objetivos e escapes diante de dificuldades similares… ou melhor, nos reinventarmos para sermos algo diferente.  

Oráculo — Brasil, 2021
Direção: Melissa Dullius, Gustavo Jahn
Roteiro: Distruktur
Elenco: Juarez Nunes, Alice Bennaton, Fernando Goulart Jahn, Aline Maya, Luana Raiter
Duração: 61 min.

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