Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Até o Limite da Honra

Crítica | Até o Limite da Honra

Demi Moore em seu melhor papel.

por Ritter Fan
1,6K views

Até o Limite da Honra foi um filme injustamente execrado quando de seu lançamento. Não, ele não é um suprassumo cinematográfico por parte de Ridley Scott, mas ele lida de maneira eficiente com uma premissa simples, mas importante que aborda o lugar da mulher na sociedade. Em essência, o longa é uma alegoria – e, como tal, naturalmente repleta de exageros, conveniências e liberdades – à visão machista de mundo em que inegavelmente ainda vivemos, uma em que mulheres são segregadas das mais diferentes formas, como se elas tivessem limitações impostas de cima para baixo e, claro, pelo outro sexo.

É bastante provável que Striptease, o filme imediatamente anterior estrelado por Demi Moore, então ainda surfando em seu estrelato noventista iniciado por Ghost – Do Outro Lado da Vida, tenha afetado a percepção geral do público sobre Até o Limite da Honra, já que esse sim foi terrível o suficiente para destruir carreiras seja a frente ou atrás das câmeras. Mas, claro, outros fatores podem ter contribuído para um certo desdém que o longa que transforma a atriz em uma candidata a tornar-se a primeira Navy S.E.A.L. do sexo feminino nos EUA, passando pelo que se considera o treinamento mais duro – e desumano? – de todos, dentre eles os simples fatos de a obra de Scott não ser realmente nada de especial e de ela vir em seguida a 1492: A Conquista do Paraíso e Tormenta, que fracassaram na bilheteria.

No entanto, Até o Limite da Honra, diferente do que o Framboesa de Ouro teimou em dizer – conta com Demi Moore em seu melhor papel, mérito dela e, claro, de Scott que extrai da atriz todo o seu potencial sem depender de sua aura de símbolo sexual, despindo-a de qualquer uso da feminilidade da atriz e “enfeiando-a” para viver a tenente Jordan O’Neil, oficial da inteligência da Marinha dos EUA que, por uma jogada política capitaneada pela senadora texana Lillian DeHaven (Anne Bancroft), ganha a oportunidade de treinar no referido grupo, o que a leva a mostrar inesperada resiliência mesmo sofrendo o pão que o diabo amassou nas mãos do comandante John James ‘Jack’ Urgayle (Viggo Mortensen), responsável pela tropa de elite. Estruturalmente, o roteiro é muito semelhante ao de Top Gun – Ases Indomáveis, com um treinamento impossível levando a uma inadvertida missão real que, então, revela o verdadeiro valor da protagonista. Clichê até não poder mais, eu sei, mas um clichê bem usado que, mesmo não chegando próximo da adrenalina do clássico do saudoso e ilustre (e por vezes melhor) outro Scott, consegue se segurar bem pelo tempo de projeção.

Enquanto o que realmente encanta é acompanhar a tenente O’Neil ao longo do treinamento – pois sequências de treinamento do exército são muito divertidas, seja em comédias como O Destemido Senhor da Guerra ou em dramas pesados como Nascido para Matar  -, algo que Ridley Scott se esmera em trabalhar, usando o roteiro de David Twohy, Danielle Alexandra para criar variedade e, com isso, sustentabilidade narrativa mesmo em meio a algumas inevitáveis repetições. Claro que o que vemos é uma sucessão de tropos narrativos mais ou menos padronizados, mas Moore empresta raça e força – e, portanto, verossimilhança – ao seu papel, fazendo do básico algo pelo menos interessante. Por seu turno, as maracutaias políticas da senadora que são intercaladas na narrativa principal também não são ruins, mas, muito sinceramente, a abordagem é rasa e muito cheia de “estalar de dedos” para tornar possível as idas e vindas da história.

A ação final é até bem executada, com Mortensen funcionando muito bem como o durão de coração mole. Sem dúvida falta “algo” para torná-la realmente bacana, que faça o espectador sentir que as vidas dos soldados realmente estão em jogo, pois Scott acaba acelerando demais o passo, mas, para o padrão de “parte final de filmes de ação” como o já citado Top Gun, há até um cuidado com estratégia, tática e equipamentos, sendo, aliás, a primeira vez na carreira do cineasta em que ele lida com guerra moderna, algo que ele voltaria a lidar com muito mais intensidade e eficiência em 2001, em Falcão Negro em Perigo.

Até o Limite da Honra – talvez hoje em dia mais lembrado por ter sido o estopim do tapa de Will Smith em Chris Rock no Oscar de 2022 – é um divertido “filme de treinamento” com uma agenda política relevante por trás que, porém, não ganha o tipo de desenvolvimento que se poderia esperar de um diretor desse naipe e que já havia lidado com o mesmo assunto de maneira muito mais astuta em Thelma & Louise. No entanto, o longa é uma ótima diversão e uma prova de que Demi Moore pode sim ser mais do que um rosto bonito quando ela quer.

Até o Limite da Honra (G.I. Jane – EUA/Reino Unido, 1997)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Twohy, Danielle Alexandra
Elenco: Demi Moore, Viggo Mortensen, Anne Bancroft, Jason Beghe, Daniel von Bargen, Scott Wilson, John Michael Higgins, Kevin Gage, David Warshofsky, David Vadim, Lucinda Jenney, Morris Chestnut, Josh Hopkins, Jim Caviezel, Boyd Kestner, Dimitri Diatchenko, Angel David, Stephen Ramsey
Duração: 124 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais